sábado, 29 de março de 2008

Onde os Fracos Não Têm Vez


Muitos dizem que o western está estéril de novidades, mas, independente do que se diz dele, o gênero está sempre renascendo das cinzas. Pode até agonizar às vezes, mas morto? Jamais. Onde os Fracos Não Têm Vez é o novo exemplar a beber nessa fonte inesgotável. Baseado no romance de Cormac McCarthy publicado em 2005, o filme não se limita a seguir uma fórmula e traz novo vigor para o estilo ao transpor todos os elementos do western clássico para os anos 80 e ambientar a história na conturbada região de fronteira do Texas com o México.

Llewelyn Moss é um sujeito pouco esperto e é justamente sua estupidez que torna possível toda a trama do filme. Durante uma caçada, Moss encontra o cenário de uma chacina no deserto: carros parados, seus ocupantes mortos, drogas num porta-malas e uma mala contendo dois milhões de dólares noutro. Mesmo sabendo a extensão do perigo em que está metendo não apenas a si próprio mas também sua esposa, Moss não resiste e pega o dinheiro. Logo, tem em seu encalço o determinado Anton Chigurh. Mais do que um assassino de aluguel irredutível, Chigurh é um psicopata, uma verdadeira máquina de matar que só vai parar quando recuperar o dinheiro e eliminar Llewelyn. Entre caça e caçador, o xerife Ed Tom Bell busca um meio de evitar o derramamento de sangue que se anuncia.

Embora guarde semelhanças estilísticas com outros filmes dos irmãos Coen (especialmente Fargo e E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?), trata-se de um trabalho bem mais maduro. Os Coen dosam com maestria suas características habituais - como banhos de sangue, humor negro e anarquia - com um lado mais filosófico que não é muito freqüente no estilo da dupla.

Além da direção cheia de som e fúria, também não se pode deixar de destacar o excepcional trabalho do elenco. Principalmente de Javier Bardem, perfeito do primeiro ao último fotograma. Seu assassino frio e controlado, mas não por isso menos sanguinário, é uma espécie de exterminador do futuro de carne e osso. Um trabalho de construção de personagem perfeito, irretocável. Josh Brolin, que também pode ser visto atualmente como um tira corrupto em O Gângster, dá credibilidade a um personagem cuja burrice poderia parecer inverossímil se fosse interpretado de modo pouco convincente. E Tommy Lee Jones cumpre bem a dura tarefa de interpretar o homem da lei e também o vértice mais cansado e frágil desse triângulo de vontades. Seu personagem representa o trabalho duro, a ética, a honestidade, ou seja, o ultrapassado naquela terra de loucos e ambiciosos. Seria essencialmente ele - ou homens como ele - a quem o título se refere.

Mas o mérito maior de Onde os Fracos Não Têm Vez está em seu espertíssimo roteiro e no modo inesperado como tudo acontece. Quando o espectador acha que já sabe para onde a trama vai caminhar, é atropelado por novos acontecimentos e levado por outros caminhos. E essa originalidade, associada a um gênero tradicional como o western, é que torna o longa tão vigoroso. Ao assisti-lo, ficamos tão incertos do destino dos personagens quanto eles próprios. E que personagens! Moss poderia ser o mocinho, mas é obtuso demais para que não se pense um desdenhoso "bem-feito!" cada vez que uma porta se fecha para ele. O assassino freak de Bardem é um vilão acima de qualquer tentativa de empatia. Já o xerife Bell é o único honesto no meio daquilo tudo, mas é tão chato com suas intermináveis histórias sobre o passado que tampouco podemos considerá-lo um herói. E o genial é que, mesmo colocando em cena personagens com os quais não conseguimos nos solidarizar, os Coen fazem o milagre de nos deixar com os olhos esbugalhados e grudados da tela por duas horas.

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