quarta-feira, 14 de setembro de 2011

180º


Assim como o recente Cópia Fiel, que defende a validade da cópia de uma obra de arte, 180º parte de uma discussão filosófica e artística para enfocar os desdobramentos de um relacionamento complicado. Ou melhor, de um triângulo amoroso. Bernardo é um jornalista iniciante que se apaixona por Ana, sua editora, que é casada com o veterano Russel, mas um dia se encanta com Bernardo. Talvez ela tenha se apaixonado mais pelo novo escritor talentoso do que pelo homem. Ou não foi bem assim? E teria sido a idolatria de Bernardo pelo casal o motor a impulsioná-lo a querer mostrar seu valor?

A história não se desenvolve na tela exatamente nessa ordem de fatores, já que adota uma narrativa fragmentada e não-linear, tampouco suas implicações são tão simples e diretas assim. Cada um dos personagens tem segredos que os demais ignoram, o que faz com que a (quase) totalidade dos fatos só seja conhecida pelo espectador ao final da projeção. Embora o questionamento central da trama diga respeito ao livro que tornou Bernardo famoso, o longa não faz disso o cerne da questão, já que o mistério acerca da propriedade intelectual é claramente identificável antes da metade do filme – embora não em todos os seus detalhes. Mais importante que isso é a reflexão proposta: até onde vai a inspiração e onde começa o plágio? Ou seria o plágio a inspiração não-assumida, tornando-se assim uma questão puramente ética?

Eduardo Vaisman dirige este seu primeiro longa-metragem com mão firme, extraindo um excelente rendimento de Malu Galli, Eduardo Moscovis, Felipe Abib – praticamente os únicos atores em cena. A interpretação do trio é densa e, ao mesmo tempo, cheia de naturalidade, envolvendo fases e estados de espírito bem diversos dos mesmos personagens, que manipulam uns aos outros, ao mesmo tempo que nós, espectadores, somos manipulados. Assim, uma mesma cena que a princípio parece banal, somente uma cena de ligação, pode ganhar um significado especial ao ser mostrada pela segunda vez, conforme estamos de posse de mais informações no decorrer da história.


A montagem irrepreensível e o roteiro esperto fazem com que cada nova sequência enriqueça ainda mais a trama, trazendo o público para dentro da discussão. Também é muito inteligente o modo como cada um dos três personagens tem sua cota de responsabilidade pelos fatos ocorridos, eliminando-se, assim, o senso maniqueísta de um “culpado” pelo rumo que as coisas tomaram. Cada um deles teve ao menos uma boa oportunidade para esclarecer a situação e escolheu não fazê-lo.

Provavelmente este texto está soando enigmático para você, caro leitor. Mas a culpa é deste ótimo filme, que será melhor desfrutado com o mínimo de informação possível. 180º foi eleito o melhor filme pelo júri popular no Festival de Gramado do ano passado. Vale muito a pena conferir. Também vale a pena ficar de olho no jovem Felipe Abib, que em breve também poderá ser visto como o traficante Jeremias de Faroeste Caboclo (aquele que “organizou a rockonha e fez todo mundo dançar”).

180º estreia nesta sexta nos cinemas.


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