quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Confiar


Annie tem 14 anos. É boa aluna, pratica esportes, vive em um ambiente saudável e tem pais conscientes que a amam e cuidam de sua educação. Como toda adolescente, Annie vive conectada na internet e frequenta chats e redes sociais. Seu amigo virtual preferencial é Charlie, um garoto da mesma faixa etária que vive em outra cidade. Sendo também ele um atleta, Charlie a entende, encoraja e tem sempre um conselho útil para dar. Em suma, é tudo que se espera de um verdadeiro amigo. Só que Charlie não está em outra cidade. E não é um adolescente e sim um adulto que manipula a situação ao longo de vários meses antes de se revelar para Annie.

O tema é batido. Os perigos da internet e a facilidade com que os lobos maus de plantão podem se instalar dentro de um lar, por mais cuidadosos que sejam os pais. Confiar tinha tudo para se converter em um filme didático, pesado, redundante. E, embora possa de fato ser considerado didático sob vários aspectos, a trama dirigida por David Schwimmer – o eterno Ross de Friends – ganha fôlego e relevância graças a dois fatores: o primeiro é o talento inquestionável de seu elenco, que tem à frente Clive Owen e Katherine Keener, afiadíssimos como os desorientados pais da menina, além da presença sempre marcante de Viola Davis como uma assistente social. Também foi um achado e tanto a escalação de Liana Liberato como Annie: a jovem atriz, aos dezesseis anos, encara com bravura um papel dificílimo.

O segundo fator positivo – e para isso também conta ponto o talento de Liana – é o modo como o roteiro evita reduzir Annie a um cordeirinho desavisado. É claro que uma situação onde um adulto manipula uma menina que teria idade para ser sua filha sempre se configurará como abuso sexual e, portanto, como um crime hediondo, mas o fato da vítima não se considerar como tal, e ainda defender o criminoso, abre todo um novo leque de discussão e torna muito mais difícil para que os pais lidem com o problema, deixando claro que as perversões sexuais estão muito mais enraizadas na sociedade moderna do que a maioria das pessoas gostaria de admitir. E os americanos, tão zelosos com seus cadastros de pervertidos, parecem ainda não ter entendido a dura verdade: os criminosos mais perigosos são justamente os que não estão catalogados.


Confiar fala sobre um tema que já foi discutido à exaustão, mas consegue fazê-lo de modo interessante e contundente. As últimas cenas do longa deixam uma sensação bastante incômoda e provam que o debate está longe de se esgotar. Sexta nos cinemas.

Um comentário:

  1. Erika, adorei "Confiar". Uma grande surpresa, vendo que é dirigido por David Schwimmer. O que mais gostei no relato é exatamente o que você aponta em seu texto a respeito do comportamento da protagonista, que demora a acreditar que foi a maior vítima da situação. Entre todas as produções recentes a explorarem os perigos do mundo virtual (seja em forma de sátira como em "Scream 4" ou documental como em "Catfish"), "Confiar" é uma das mais contudentes. Espero que seja um filme que com o tempo seja popular, pois é item obrigatório para pais e filhos.

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