sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

A Dama de Ferro


Existem dois fatores bem diversos a serem analisados em A Dama de Ferro: o filme em si e Meryl Streep. Comecemos por ela. Ao longo dos anos, Meryl construiu para si uma das biografias mais invejadas e respeitáveis do mundo do cinema. Foram nada menos do que dezessete indicações ao Oscar (venceu duas vezes, o de coadjuvante em 1980 por Kramer vs. Kramer e o de atriz em 1983 por A Escolha de Sofia) e pelo menos dois personagens memoráveis só nos últimos anos: a freira rigorosa de Dúvida e a implacável Miranda Priestly de O Diabo Veste Prada. Por outro lado, a excelência tem um preço, tanto que é comum ouvir pessoas reclamando que ela “ganha Oscar todo ano”, quando na verdade, a atriz venceu o prêmio pela última vez há quase três décadas.

A interpretação que Meryl entrega da primeira-ministra britânica Margaret Thatcher é mais dos seus trabalhos impecáveis, ao transmutar-se diante de nossos olhos naquela que os soviéticos apelidaram de “dama de ferro”. A aparência, as inflexões, toda a determinação e rispidez da mulher que ousou tomar medidas impopulares e governar segundo suas próprias (nem sempre admiráveis) convicções saltam da tela na atuação magnética de Meryl, que quase nos dá a ilusão de ver a própria Thatcher na telona. Digo “quase” porque a atriz não consegue o efeito de ilusão total somente devido à extrema fragilidade do longa que a emoldura, pois, como filme, A Dama de Ferro deixa terrivelmente a desejar.


Phyllida Lloyd estreou como diretora de cinema há três anos, com o despretensioso Mamma Mia!, versão para as telonas do musical da Broadway. Com a ajuda da própria Meryl Streep e astros como Colin Firth e Pierce Brosnan, conseguiu sair-se bem e achou que já tinha cacife para um projeto ambicioso como a cinebiografia de Margaret Thatcher. Não tem. Aparentemente, Lloyd desconhece coisas elementares como o simples fato de que certos delírios que caem muito bem em um filme do gênero musical podem ser fatais para um filme dramático. Deixando de lado a decisão já discutível de se criar um paralelo entre a trajetória de Thatcher e um presente de decadência e senilidade, o longa é pontuado por cenas fora de tom, provocando risos involuntários em momentos que deveriam ser sóbrios. Convenhamos, qualquer tentativa de levar o roteiro a sério vai por água abaixo com a aparição de um marido morto que assusta a Thatcher senil com uma língua-de-sogra. Tudo sempre acompanhado por uma trilha sonora igualmente inadequada.

Tampouco o roteiro da inglesa Abi Morgan ajuda muito, deixando lacunas inexplicáveis como, por exemplo, menções soltas ao fato do filho da protagonista viver na África e de uma temporada que o marido da mesma teria passado por lá. Não que sejam pontos de extrema relevância, mas é estranho quando se jogam a esmo informações aleatórias e não se explica mais nada a respeito. A opção de rechear as passagens históricas com cenas de caráter documental é outro detalhe que enfraquece ainda mais o filme, especialmente se considerarmos a opção de abordar a biografada de um ponto de vista bem pessoal. Outra escolha estranha é a de Alexandra Roach como a jovem Margaret, que não transmite nem de longe a centelha de poder e força da mulher poderosa que estava por desabrochar. Resumindo, o espectador tem a nítida impressão de ver um todo composto de partes que não se harmonizam.

No meio de toda essa bagunça, Meryl Streep prova a grande atriz que é pelo simples fato de, ainda assim, conseguir revestir de dignidade e credibilidade uma personagem tão maltratada pelo roteiro e pela direção. É ela, auxiliada por um igualmente inspirado Jim Broadbent, que consegue prender a atenção, impressionar e até mesmo comover, a despeito de todo o resto. Meryl é especialmente brilhante na cena em que dá um passa-fora em todo o ministério na sala de reuniões, com seu ar severo, entonação petulante e olhos faiscantes. Uma diva. A Dama de Ferro vale a pena por ela.

O filme entra em circuito normal somente na próxima sexta, dia 17, mas tem diversas pré-estreias agendadas de hoje a domingo.

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