quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

A Gaiola Dourada


Maria e José são portugueses que vivem há mais de trinta anos na França e personificam o clichê atribuído a seus conterrâneos: ele é pedreiro; ela, porteira de um condomínio. São confiáveis, trabalham pesado, não sabem dizer não e, por isso mesmo, acabam sendo constantemente explorados não somente por seus patrões, mas também por amigos e parentes. Uma inesperada herança que teria como única condição o regresso a Portugal parece ser o milagre caído do céu, mas, como eles logo se dão conta, tomar as rédeas da própria vida pode ser bastante complicado.

Cuidado quando alguém te considera indispensável, porque isso provavelmente quer dizer que estão se aproveitando de você – é o que este simpático filme ensina. A questão é que Maria e José não se enxergam assim, eles simplesmente gostam do que fazem e querem fazer seu serviço da melhor maneira possível. Não é um fardo para eles. Portanto, a riqueza – e a perspectiva de não fazer nada – lhes parece muito mais assustadora do que a labuta diária. Sem contar que retornar ao país de origem tendo filhos adultos que jamais pisaram lá não é tão simples assim.


Poderia ser um drama existencial, mas A Gaiola Dourada opta pela comédia de costumes. Assim como em As Mulheres do Sexto Andar, o filme retrata com graça a coexistência entre uma burguesia francesa supostamente liberal, mas que prefere não se lembrar dos imigrantes que fazem o trabalho duro, já que é mais fácil mantê-los sob uma capa de invisibilidade do que enxergá-los sob a ótica da tão decantada liberdade, igualdade e fraternidade. 

O elenco carismático é liderado pelos portugueses Rita Blanco e Joaquim de Almeida – que ainda é lembrado por aqui como o Sherlock Holmes de sotaque lusitano de O Xangô de Baker Street. Em sua estreia na direção de um longa-metragem, o ator Ruben Alves (que também interpreta um personagem e é um dos roteiristas do filme) realiza um filme que conquista pela simpatia e oferece entretenimento de boa qualidade. É bem verdade que o roteiro deixa de se aprofundar em um tema que poderia render ramificações bem legais sobre a identidade portuguesa dentro da União Europeia, mas é preciso respeitar a opção de Alves pela comédia ligeira, ainda mais porque ele a realiza com muita competência. 

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