sábado, 14 de abril de 2012

O irresistível romantismo de Verona


A partir de hoje, a editoria Viajandão traz alguns artigos especiais sobre a Itália, enfocando não somente o viés turístico, mas também histórico e cultural. Tais textos faziam parte de um projeto literário que acabou não vingando e estão sendo reeditados para o A&S. Começamos com Verona, uma das cidades mais bonitas e bem-cuidadas que eu tive oportunidade de conhecer. A cidade e seu imenso potencial romântico voltaram a estar em voga recentemente por conta do filme Cartas para Julieta. Obviamente a chamada “Casa di Giulietta” é a atração mais visitada na cidade. Embora o pessoal da produção do longa jure de pés juntos que aquelas secretárias de Julieta realmente existem, não vi nenhum sinal delas por lá. De fato algumas pessoas costumam colar bilhetinhos nas paredes ou escrever declarações de amor, mas nada tão dramático como aquelas meninas chorando desesperadamente seus amores, conforme visto no filme.


De todo modo, a atração fake, que foi concebida há muitas décadas por um prefeito bastante imaginativo, é mesmo muito cativante. Os italianos realmente sabem criar uma atmosfera de encanto. Mesmo sabendo que se trata de uma espécie de cenário, é difícil não se emocionar ao ver o famoso balcão, tal e qual descrito na obra do bardo. O segredo é se embriagar na tradição e, por alguns instantes, permitir a si mesmo fingir que a moça de fato existiu. Uma coisa que nenhum turista que se preza pode deixar de fazer é passar a mão no seio direito da estátua que se encontra no pátio da casa. O gesto é conhecido como uma infalível simpatia para atrair o seu amor verdadeiro, e pode-se perceber que o seio direito é um pouco mais lustroso do que o restante da estátua. Pobre Julieta, afagada dia e noite por românticos desesperados.

Fantasia ou não, não é difícil entender o papel de um personagem como Julieta no imaginário romântico. Ainda que algumas produções cinematográficas melosas tenham retratado a jovem Capuleto como apenas uma mocinha pálida e suspirante, basta uma breve leitura do texto shakespeariano para perceber a essência forte e determinada de Julieta, tão menina ainda e já tão disposta a fazer acontecer sua história de amor. O bardo dotou sua protagonista de uma vontade férrea que sobrepuja o seu romantismo, cabendo a ela muitas das iniciativas para que o romance, de fato, floresça. Em nenhum momento da história Julieta é passiva diante das adversidades do destino, lutando até o fim, com todos os meios disponíveis, para viver ao lado do amado. Se o destino não quis que assim fosse, certamente não foi por falta de determinação dessa menina-mulher admirável. Para que melhor conselheira, fictícia ou não, um apaixonado poderia pedir ajuda?


Outro costume que se pode observar não somente em Verona, mas por toda a Itália, é uma mania de meter cadeados em qualquer lugar que tenha um apelo romântico ou sentimental. Na casa de Julieta, há uma grade de ferro repleta deles. Alguns simples, outros pintados em vermelho, vários com os nomes do casal escrito. A princípio parece meio estranho, lembra macumba, feitiço, essas coisas, mas na verdade o costume, difundido principalmente entre os adolescentes, é recente e surgiu por conta do sucesso do livro Sou Louco Por Você, de Federico Moccia. Nele, um casal jura amor eterno prendendo um cadeado em uma ponte sobre o Rio Tevere, em Roma, seguindo uma superstição segundo a qual quem faz isso jamais se separa da pessoa amada. Ou seja: a coisa não tem esse sentido nefasto de escravizar o outro e sim de simbolizar uma união duradoura, forte, inquebrantável.

Mais do que a terra de Romeu e Julieta, Verona é uma cidade bonita e atraente por seus próprios méritos. Mesmo porque não é provável que algum dia William Shakespeare tenha estado, de fato, na cidade. Cortada pelas águas do rio Adige, a charmosa cidade imortalizada pelos jovens amantes de “famílias rivais, iguais na dignidade e levadas por antigos rancores a desencadearem novos distúrbios, nas quais o sangue civil tinge mãos cidadãs” foi da maior importância durante o período romano e apresenta até hoje vários resquícios desse passado glorioso. A Arena di Verona, por exemplo, é uma autêntica arena romana onde aconteciam em tempos remotos lutas de gladiadores. Mas, diferentemente do Coliseu, essa arena ainda é usada para concertos e óperas e não somente visitação turística.


Outro belo atrativo da cidade é o Castelvecchio, construção edificada no século XIV e que nos faz voltar aos tempos medievais com suas torres e sua impressionante ponte levadiça. Admirar aquele castelo por si só já é uma grande atração, mas seu interior ainda abriga o Museu Cívico de Arte e sua notável coleção de esculturas medievais que reúne obras de Pisanello, Bellini, além de trabalhos de vários artistas veroneses. O Museu Arqueológico, do outro lado da cidade, também tem origens bem antigas. Fica por detrás de um anfiteatro romano, espaço igualmente usado para eventos musicais – certamente a acústica é perfeita. O museu em si não impressiona muito, mas, graças à sua localização privilegiada, o ingresso vale pela deslumbrante vista aérea de toda a cidade.


Na região do Veneto, as duas cidades mais proeminentes – Verona e Veneza – não nutrem uma grande simpatia uma pela outra. Verona tem uma atitude meio contrariada em relação a Veneza não apenas pela vizinha ser mais famosa, mas principalmente porque esteve sob seu domínio séculos atrás. Prova irrefutável disso é que se pode ver bem no meio da Piazza delle Erbe, coração da cidade, um imponente obelisco encimado por um leão alado, simbolizando presunçosamente a supremacia veneziana.


Além dos monumentos imponentes, Verona encanta, ainda, pela beleza presente no cotidiano, ou seja, nas ruas, nas casas, na delicadeza com que os habitantes cuidam de sua cidade. Sem contar que as ruelas medievais, sobrados com balcões floridos, monumentos e construções tem um estado de conservação melhor do que o da eterna rival Veneza. Imperdível, mesmo para os não-apaixonados. 


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