sábado, 28 de abril de 2012

Firenze, sinônimo de arte e cultura

Firenze vista do alto, com a cúpula do Duomo destacando-se acima das outras construções

Firenze – mais conhecida pelos brasileiros como Florença – é a capital não somente da Toscana, mas também da arte. Esta pequena cidade de cerca de 400 mil habitantes é repleta de museus, centros culturais e palácios e retém uma parte considerável dos tesouros artísticos do mundo, além de ser o nascedouro da língua italiana. O italiano atual nada mais é do que uma evolução do antigo dialeto fiorentino, catalogado principalmente por Dante Alighieri em sua Comédia – que só viria a ser alcunhada de “divina” tempos depois, graças a Giovanni Boccaccio. Dante fez mais do que simplesmente colocar no papel aquela que viria a ser a língua italiana: ele também a enriqueceu com novos vocábulos e expressões, já que os termos existentes até então muitas vezes lhe pareceram insuficientes para descrever suas arrepiantes concepções de uma viagem ao inferno, purgatório e paraíso. Sua obra, além do inestimável valor artístico, ainda foi importante para que o dialeto fiorentino fosse difundido por todo o país, prevalecendo sobre os demais e transformando-se, pouco a pouco, no italiano dos dias de hoje.

Firenze ainda ostenta o peso de ter sido o berço do Renascimento, terra de Michelangelo, Donatello, Botticelli, Machiavelli e muitos outros artistas e intelectuais importantíssimos. Também Leonardo da Vinci pode ser também incluído na lista, já que a província de Vinci é distrito de Firenze. A cidade foi uma das repúblicas mais importantes da Idade Média, ao instaurar o sistema bancário e um modelo de civilização e urbanização admirável. Em pleno século XII, o centro de Firenze já era pavimentado em pedra. Para dar uma noção do que isso significa, a Paris do século XVII ainda não era pavimentada. A então chamada República Fiorentina foi o primeiro reino medieval a instituir um sistema bancário. Sendo um dos mais prestigiosos e prósperos de toda a Europa, os governantes tiveram a ideia de cunhar uma moeda forte que pudesse substituir as até então usadas para transações comerciais, como o soldo bizantino e o dinar islâmico. Assim, em 1252, começou a ser cunhado o florim, ou fiorino d’oro, que rapidamente se tornou moeda-referência em toda a Europa por seu valor e estabilidade.

Ao fundo, a Fontana del Netuno

Voltando aos dias de hoje, o museu mais concorrido da cidade é a Galleria degli Uffizi. É tão extensa e tão rica em detalhes que quem não quiser perder o essencial levará horas e horas para percorrê-la a contento. Embora muitos se detenham somente diante das obras mais célebres – como La Nascita di Venere de Sandro Botticelli – a coleção desta célebre galeria de arte está dentre as mais ricas do mundo. Além das salas dedicadas às mais famosas pinturas de Caravaggio, Leonardo da Vinci e outros, os próprios corredores são repletos de obras de arte do chão ao teto. Literalmente. Próximo dali, o Museo del Bargello, mesmo sendo o segundo mais importante da cidade, é bem menos concorrido. São três andares de esculturas, objetos e joias, incluindo aí o Baco de Michelangelo, o Mercúrio de Cellini e o David de Donatello, só para citar a nata da nata de sua impressionante coleção. Tampouco de se pode deixar de visitar a Galleria dell’Accademia, que foi criada para abrigar o David de Michelangelo. É de tirar o fôlego a estátua de cinco metros, esculpida pelo genial artista em um bloco único de mármore. Seus detalhes, contornos e precisão anatômica dão ao observador a ilusão de que a obra “respira”.

É difícil precisar a quantidade de igrejas, conventos e mosteiros existentes por toda Firenze. Cada uma dessas igrejas não é somente um local de oração e sim um reservatório de arte, com quadros e afrescos sensacionais, destacando-se não somente pela riqueza arquitetônica, mas ainda pela incontestável qualidade de seus acervos. A mais famosa e visitada de todas é o Duomo – que, na verdade, se chama catedral de Santa Maria del Fiore –, cuja majestosa cúpula projetada pelo arquiteto Filippo Brunelleschi é a construção mais alta da cidade. Também impressiona a fachada toda ornamentada em três cores de mármore – vermelho, verde e branco. Na mesma praça, o Battistero di San Giovanni chama a atenção de longe por suas portas douradas, onde foram esculpidas por Lorenzo Ghiberti cenas do velho testamento. Outras igrejas que valem uma conferida são Santa Croce, Santa Maria di Novella, San Lorenzo e, principalmente, o convento e museu de San Marco. O convento mantém seus antigos claustros medievais abertos para visitação, enquanto o museu possui um enorme acervo do Beato Angelico – também conhecido como Fra’ Angelico.

A alguns passos da Praça do Duomo encontra-se a Piazza della Signoria, que, além da já citada Galleria degli Uffizzi, abriga um palácio real, obras de arte, uma bela fonte e os mais elegantes cafés e lojas. A primeira coisa a capturar o olhar é a Loggia dei Lanzi, um inacreditável museu a céu aberto onde o transeunte pode admirar gratuitamente inúmeras obras famosas, como o Perseo de Benvenuto Cellini (abaixo, à esquerda) e Il Ratto delle Sabine de Giambologna (abaixo, à direita). Diante do chamado Palazzo Vecchio há, ainda, uma cópia em tamanho natural do David – outra cópia encontra-se na Piazzale Michelangelo, praça de onde se tem uma vista completa de toda a cidade. Ao lado do Palazzo e sua inconfundível torre, a Fontana del Netuno ergue-se majestosa com as imponentes figuras em mármore criadas por Bartolomeo Ammanati em 1560 após ter vencido uma acirrada disputa entre os artistas locais para ter a honra de realizar a empreitada.


Atravessando a histórica Ponte Vecchio para o outro lado da cidade (a maioria das cidades italianas é cortada por um rio, neste caso o Arno), outro lugar que merece ser visto é o Palazzo Pitti, que abriga vários museus em seu interior e também o Giardino di Boboli. Chamar de jardim é modéstia, porque na verdade são vários jardins interligados, com gramados, lagos, árvores, plantas de topiaria e canteiros floridos em vários de seus níveis. Lembra um pouco o estilo do Palácio de Versalhes, com todos aqueles caminhos feitos de sebes em consonância com o gigantesco palácio e seus museus. Bem interessante é a Galleria degli Costumi, museu dedicado ao vestuário. Além das roupas de diversas épocas, desde a Idade Média aos dias atuais, em alguns pontos a curadoria do museu coloca lado a lado roupas antigas originais e criações contemporâneas de estilistas italianos influenciados por elas.


O complexo conhecido como Palazzo Pitti já foi, em tempos remotos, residência oficial dos Medici, família poderosíssima que dominou Firenze ao longo de três séculos, salvo breves interrupções. Foi em 1434 que o banqueiro Cosimo de Medici (posteriormente conhecido como Cosimo, o Velho) retornou a Firenze depois de um ano exilado em Veneza e iniciou, com inédito apoio popular, o principado dos Medici. Aos poucos, usando o seu poder financeiro, a família Medici ampliou sua condição de apenas uma família rica e influente para se tornar uma verdadeira dinastia e, no processo, transformou Firenze em capital mundial das artes e do bom gosto. A cidade atingiu seu apogeu cultural e artístico sob o reinado de Lorenzo, neto de Cosimo e posteriormente alcunhado “o Magnífico”. Homem de alta cultura, apreciador das artes e da diplomacia, foi Lorenzo o responsável por trazer para a cidade os melhores artistas da época. Todos os grandes nomes do Renascimento (Leonardo DaVinci, Michelangelo, Donatello, Botticelli e Rafael, dentre outros) estiveram, em algum ponto da carreira, sob o protetorado dos Medici.

Firenze é, ainda, a capital do couro e da ourivesaria. Não é que esses itens sejam exatamente baratos, mas certamente em nenhum outro lugar do mundo são vendidos com tanta qualidade e variedade. Os artigos em couro são onipresentes, tanto em lojas, fábricas e até mesmo nos mercados, com destaque para os casacos. Já os joalheiros tem seus ateliês concentrados ao longo da Ponte Vecchio, sendo o carro-forte das jóias fiorentinas os camafeus. Quanto à gastronomia, o prato típico da região – pasmem – não tem nada a ver com massa: é a suculenta bisteca à fiorentina, que pode e deve ser degustada acompanhada de um excelente Chianti local.

Fachada do Palazzo Vecchio, com cópia do David de Michelangelo (esq) e Hércules e Caco de Bandinelli (dir)

Firenze prova que tamanho não é documento, ao reunir tanto fascínio em torno de si. É uma cidade ocre, dourada, deslumbrante vista de qualquer ângulo. É uma terra gente irreverente e irônica, mantendo até hoje sua tradição intelectual – suas escolas de idiomas são as mais conceituadas do país. É uma cidade que tem sempre muito a oferecer, independente de você estar visitando-a pela primeira ou pela vigésima vez.  

4 comentários:

  1. Muito bom o texto!! Parabéns. Prova que sabe tudo sobre os lugares por onde passa. E Gostei do Cosimo, o velho. rsrs

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  2. Obrigada, amigo, mas com uma cidade cheia de maravilhas como Firenze fica até fácil. E esse Cosimo de Medici ganhou a alcunha de "o Velho" porque depois dele teve um outro Cosimo no poder. Acompanhe o próximo artigo, que vai falar de algumas outras cidades da Toscana.

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  3. Florença é realmente uma cidade encantadora, que vale a pena voltar não uma, mas diversas vezes. Além de ser a capital da arte é o paraíso das compras. Mas eu aconselho simplesmente a passear na Via Tornabuoni e deixar para comprar em outlets, onde os famosos estilistas são mais acessíveis. Por exemplo, a uma meia hora da cidade tem o The Mall (http://www.themall.it ) você chegou a conhecer? Vale a pena dar uma boa garimpada lá para voltar com um pedacinho da moda italiana. :-)
    Até a próxima, abs Barbara

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  4. Não, Barbara, nem fui. Eu até dei um giro pela Via Tornabuoni, mas só para me assustar um pouco. Na verdade, eu optei comprar coisas locais que não eram de estilistas e trazer um pedacinho mais barato da moda italiana, eheheheh.

    Abs!

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