quarta-feira, 16 de maio de 2012

O Corvo


"Disse o corvo, Nunca Mais". Com essa sentença, o poeta, contista, ensaísta e crítico literário Edgar Allan Poe inscreveu definitivamente seu nome dentre os grandes da literatura mundial. Autor de histórias arrepiantes e poemas góticos cujos temas sempre rondam a morte, a loucura e a decadência física e mental, o gênio teve, ele próprio, uma vida marcada pela instabilidade emocional e problemas financeiros. Eternamente desajustado e propenso a todo tipo de vício, Poe morreu em circunstâncias misteriosas aos 40 anos. No dia 3 de outubro de 1849, foi encontrado vagando pelas ruas de Baltimore, usando roupas que não eram suas e dizendo coisas aparentemente sem sentido. Levado a um hospital, morreria quatro dias depois sem conseguir esclarecer como tinha chegado àquela situação. 

Este O Corvo (que não tem nada a ver com aquele filme de 1994 que vimitou Brandon Lee) cria uma trama fictícia ambientada nos dias que antecederam o trágico fim de Poe, colocando-o no centro da investigação de uma série de assassinatos inspirados em seus livros. Tudo começa quando um inspetor de polícia reconhece que a cena de um duplo assassinato é idêntica à descrita no conto Os Assassinatos da Rua Morgue. Não tarda para que outros crimes deixem claro que se trata de um psicopata tentando obter a atenção de Poe e atraí-lo para um jogo macabro.


O primeiro grande acerto do filme é trazer John Cusack como um Edgar Allan Poe intolerante, provocador e falastrão. Na medida certa entre a arrogância do gênio incompreendido e o desamparo de quem só leva rasteira da vida, a composição de Cusack é cativante e carismática, indo além da incrível semelhança física obtida com a caracterização. Outro grande atrativo está na própria obra de Poe, que pontua todo o filme, seja nas recriações bizarras provocadas pelo assassino, seja em citações mais sutis. Os contos Os Crimes da Rua Morgue, O Poço e o Pêndulo, A Máscara da Morte Escarlate, O Mistério de Marie Roget e os poemas Annabel Lee e, claro, O Corvo são apenas algumas das obras citadas ao longo do filme. Como não adorar a cena em que Poe recita O Corvo para uma plateia de senhorinhas empoadas?

Infelizmente, nem só de acertos é feito o filme. Apesar da fotografia soturna, da reconstituição de época bacana e dos pontos positivos citados acima, O Corvo padece de alguns tropeços estruturais. O impacto inicial dos assassinatos descritos nos contos de Poe sendo encenados vai se enfraquecendo conforme o criminoso vai mudando seu modus operandi. As recriações fiéis vão virando citações, cada vez mais esparsas e soltas, e o roteiro perde um pouco de força à medida que a história passa a se apoiar cada vez mais no interesse do espectador pela obra do próprio Edgar Allan Poe. Prato cheio para quem é fã, mas que deixa em segundo plano o mistério a ser desvendado. Ao final, tanto a identidade do assassino como suas motivações são pouco originais e o desfecho não casa realidade e ficção de modo muito satisfatório.


Depois de ter sido assistente de direção dos irmãos Wachowski na trilogia Matrix, James McTeigue estreou como cineasta fazendo barulho e dividindo opiniões com V de Vingança (2005), mas parece ainda não ter engrenado muito como diretor e, desde então, realizou somente mais um longa, o pouco visto Ninja Assassino (2009). Com O Corvo, McTeigue volta a chamar a atenção ao entregar um filme irregular, porém bastante interessante. É bem verdade que o tema ajuda (e muito), mas o filme em si também apresenta vários pontos altos, embora cometa algumas incoerências como inserir cacoetes do universo sci-fi em um filme de época ou compor sua figura mascarada muito semelhante ao vingador V.

Resumindo tudo, o saldo final é positivo. Vale destacar que O Corvo não é uma história excludente e não deixará perdido quem não conhece a obra de Poe, mas com certeza aqueles que apreciam o grande autor americano e seu universo gótico se deliciarão com as referências.  


Sexta nos cinemas.

4 comentários:

  1. Erika, nem vou dedicar espaço falando do John Cusack, rs.

    Infelizmente, não li uma obra ou conto sequer de Edgar Allan Poe, mas conheço um pouco de seu universo literário através de algumas adaptações cinematográficas, como "Dois Olhos Satânicos" e "O Coração Delator". E relação a este "O Corvo", só fui tomar conhecimento da sinopse com esta sua estreia nos cinemas brasileiros. Direção de arte e fotografia são aspectos que parecem muito bons no filme, de acordo com os vídeos que vi e também com a sua crítica. Mas não sei o que esperar do filme com o nome de James McTeigue associado na direção. Acho "V de Vingança" um filme espetacular, mas "Ninja Assassino" foi uma grande frustração. Pena que foi impossível para mim pegar a cabine, mas em breve assisto de alguma forma.

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  2. Alex, então mais do que o filme eu te recomendo uma aproximação com o próprio Poe, com seus contos funestos e poemas lúgubres. Leia em especial O Corvo e o conto A Máscara da Morte Escarlate. Ele foi sem dúvida um dos grandes e, pelo menos na minha vida, é um cara que fez toda a diferença.

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  3. Erika, anotei aqui. Verei se encontro ambos em versão pocketbook.

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  4. Alex, tente conseguir o livro "O Corvo e suas traduções" que, como o título diz, reúne todas as versões em português para o poema, que já foi traduzido por ícones como Machado de Assis e Fernando Pessoa. Muito bom!

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