quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Azul é a Cor Mais Quente


Eis que o vencedor da última Palma de Ouro do Festival de Cannes chega aos nossos cinemas. Baseado em uma graphic novelfrancesa publicada em 2010 (Le Bleu est une Couleur Chaude, de Julie Maroh), o filme do tunisiano Abdellatif Kechiche chega aos cinemas precedido de grande polêmica não somente por causa das longas cenas de sexo explícito entre as atrizes Adèle Exarchopoulos e Léa Seydoux, mas também pelo fato de ambas (em especial esta última) terem reclamado de abusos físicos e emocionais durante as filmagens. Kechiche, por sua vez, acusou Léa e o jornal Le Monde de conspirar contra ele. Esperemos que nada disso se sobreponha ao filme em si, já que Azul é a Cor Mais Quente tem qualidades que vão muito além do escândalo.

A história acompanha o amadurecimento de Adèle, que no princípio da trama é uma menina de quinze anos que não entende muito bem porque não consegue compartilhar da enorme excitação que suas amigas sentem em relação aos garotos. As cenas iniciais são de uma naturalidade comovente, com a protagonista fazendo um esforço óbvio e inútil para se adequar a um universo adolescente que a enche de perplexidade. Adèle Exarchopoulos exala tanta juventude e inexperiência que deixa o expectador sempre em dúvida quanto aos limites entre ela e sua personagem homônima, dúvida alimentada ainda mais pelas já citadas denúncias.


Troca de acusações à parte, o que se vê na tela é todo o processo de descobertas de uma personagem cativante e que se sente quase sempre deslocada, estranha, inadequada. Especialmente significativo é quando ela diz que tem a impressão de estar sempre representando. Quando Emma – a moça de cabelos azuis interpretada por Léa – entra em cena, o espectador finalmente vê Adèle desabrochar. As incertezas e passividade dão lugar a um despertar urgente e a menina se transforma em mulher. Por conta disso, as cenas fortes que vêm escandalizando tanta gente parecem ter uma função bem clara no contexto do filme: é justamente nos momentos de intimidade com Emma que Adèle surge como uma pessoa “inteira”, sem o olhar perdido que a acompanha no restante do filme.

Outro ponto interessante é que o longa enfoca outros aspectos da trajetória da protagonista que vão além da questão sexual. A trama reflete sobre a coragem necessária para assumir-se homossexual e o impacto que a decisão (ainda) pode ter sobre a vida de uma pessoa, mesmo na França dos dias atuais, porém evita o maniqueísmo óbvio de colocar o preconceito apenas de um dos lados da balança. É interessante ver como as pessoas bem-resolvidas sexualmente podem ter vários outros preconceitos, um exemplo disso é a insistência de Emma para que Adèle desenvolva uma atividade artística. Por que o fato dela ser “apenas” uma professora é motivo de constrangimento? O modo como Kechiche escancara a hipocrisia dos personagens descolados e desencanados dota o filme de nuances e evita uma abordagem “chapa branca”, enriquecendo-o ainda mais. A sensação que temos é de exaustão, como se Adèle precisasse se justificar o tempo todo.


É bem verdade que Azul é a Cor Mais Quente venceu uma Palma de Ouro que tinha como concorrentes diretos dois outros filmes excepcionais (O Passado e A Grande Beleza), mas não se pode dizer que não tenha sido uma premiação merecida. Também foi bacana a decisão inédita de conceder a Palma não somente ao realizador, mas também às duas atrizes, em um mais do que justo reconhecimento de que boa parte do mérito é devido à entrega total delas a seus personagens. Resta, ainda, louvar o altíssimo nível da seleção deste ano do Festival de Cannes. Por tudo isso, Azul é a Cor Mais Quente surge como um dos lançamentos mais importantes do ano. Imperdível. 

Clique aqui para ler sobre a HQ que inspirou o filme.

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