quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Quando Eu Era Vivo


Marco Dutra está lançando o seu segundo longa-metragem e já vem sendo apontado como um dos grandes talentos do cinema nacional. E não é para menos, já que o moço vem apostando em um dos estilos menos explorados pelo cinema brasileiro: o terror psicológico. Se o longa anterior (Trabalhar Cansa, co-dirigido com Juliana Rojas em 2011) lidava com o sobrenatural de modo quase metafórico, neste seu primeiro filme-solo o clima de claustrofobia e medo permeia a trama do começo ao fim.

Marat Descartes é Junior, que volta à casa paterna após um divórcio nada amigável. Chegando lá, sua figura soturna e cabisbaixa parece contrastar com a atitude do pai, excessivamente bronzeado e obcecado por vitaminas, exercícios e saúde. Além do mais, ele precisa dormir no sofá porque o quarto que dividia com o irmão foi alugado para uma estudante universitária do interior de São Paulo. Cada vez mais perdido, Junior começa a se refugiar em lembranças que julgava perdidas e os antigos traumas de infância aos poucos começam a minar sua sanidade mental.


Em primeiro lugar, é preciso esclarecer a inadequação de alguns comentários prévios que se tem feito a respeito desse filme. Muita gente que viu o trailer de Quando Eu Era Vivo se refere a ele como “aquele filme de terror estrelado pela Sandy”. É verdade que a cantora está no elenco, mas em papel coadjuvante. O foco do filme está no embate emocional entre Marat Descartes e Antonio Fagundes. Por outro lado, colocá-la soltando a voz em diversas cenas cria um pouco de dificuldade em deixar o espectador enxergar a personagem Bruna. Mas é somente um pequeno detalhe em um filme que, no mais, é extremamente bem-conduzido por Dutra.

Outra qualidade que salta aos olhos em termos de produção é a cenografia detalhada e repleta de objetos de cena evocativos. Vale destacar que, como a maior parte do filme se passa dentro do apartamento, o cenário é responsável por reavivar os demônios internos de Junior e Senior. A responsável pelo visual é Luana Demange, que já havia feito também a cenografia de Trabalhar Cansa. Neste filme, objetos inocentes ganham contornos macabros conforme são filtrados pela memória ou delírio do protagonista – reparem no boneco Fofão que aparece em uma tomada. Interessante também é notar como Junior vai se apoderando da casa do pai, que nas primeiras cenas é dominada por aparelhos de ginástica, vidros de suplementos energéticos e pesos, enfim, pelos vestígios de um estilo de vida que vai desaparecendo conforme avança a projeção.


Mesmo com a atmosfera envolvente estabelecida, dificilmente o filme impressionaria tanto sem a interpretação arrebatadora de Marat Descartes e Antonio Fagundes. Marat, que estamos acostumados a ver personificando pais de família de classe média (como em Os Inquilinos ou Trabalhar Cansa), entrega-se com fervor ao personagem e vai tornando-se cada vez mais irreconhecível. No olhar de Junior a loucura se manifesta, mesclando a carência com algo profundamente perturbador e perigoso. O ator declarou ter se inspirado no personagem de Jack Nicholson em O Iluminado, mas seus desvarios também lembram muito Norman Bates. Já Antonio Fagundes se dissociou totalmente de seus tipos televisivos para viver esse pai que tenta permanecer o último membro são de uma família perturbada. O jogo de cena entre os dois certamente é o ponto alto deste surreal e raro exemplar de cinema de gênero. 

(Para ler o bate-papo do diretor e do elenco com a imprensa, clique aqui.)


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