sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Escondidos nas Prateleiras

Outro dia, dando um passeio pela minha locadora, dei de cara com uma série de filmes interessantes que assisti no Festival do Rio de 2006 (sim, há dois anos) e dos quais nunca mais tinha ouvido falar. Provavelmente porque ficaram esse tempo todo engavetados e um belo dia alguém resolveu lançá-los diretamente em DVD. Ou então passaram pelo circuito tão rápido que eu nem notei. Seguem minhas impressões sobre alguns deles, escritas à época em que os assisti:

C.R.A.Z.Y. - Loucos de Amor



Zachary, quarto de cinco irmãos, nasceu no dia 25 de dezembro. Seus aniversários começam com a Missa do Galo e sempre se confundem com o Natal. O filme acompanha duas décadas da vida de Zachary e sua bizarra família: as festas sempre pontuadas pela bisonha imitação que o pai insiste em fazer de Charles Aznavour, as brigas entre irmãos e, principalmente, sua angústia por ter, desde pequeno, tendências homossexuais que ele reprime com todas as forças. Premiado como melhor filme canadense no Festival de Toronto de 2005.

Uma sensível e engraçada história de autodescobrimento, onde o próprio protagonista pontua seus momentos mais marcantes - desde o dia do nascimento até a idade adulta. Nessa jornada, acompanhamos suas desilusões infantis, sexualidade reticente e seu caminho para conquistar não apenas o respeito dos pais e irmãos, mas também para se destravar e aceitar com a cabeça as escolhas que já fez há tempos no coração. É doloroso constatar que, numa família onde ninguém parece normal, sempre se elege um coitado para receber a descarga das frustrações de todos os demais. E o grande acerto do filme é nunca perder de vista o tom irônico: todas as vezes que a história ameaça resvalar um pouco para o dramalhão, logo em seguida acontece uma virada bem-humorada. Outro detalhe muito legal é a caracterização das diferentes épocas, bem demarcada pelas mudanças não apenas no visual mas também no gosto musical do protagonista. E a explicação para o título do filme – que não é simplesmente por causa da loucura dos personagens – é impagável.

Amigas com Dinheiro

A rica Franny, sempre à frente de causas sociais, vive um casamento de sonho e tem uma família perfeita. A confusa Christine escreve roteiros em parceria com o marido, mas os dois vivem às turras. A irritada Jane, uma estilista de sucesso, é casada com um inglês obviamente gay. Já Olivia é considerada a ovelha negra dentre as amigas: além de ser a única solteira, está em meio a uma grave crise financeira e profissional. O fato de ter abandonado o magistério para trabalhar como faxineira deixa suas amigas perplexas e até mesmo envergonhadas. Para piorar, ela começa um romance com um espertalhão que não assume a relação e ainda fica com parte do seu pagamento.

Através desses quatro personagens básicos, o filme faz uma radiografia - nada animadora, diga-se de passagem - da mulher dos dias de hoje. Com muito bom humor, diálogos inteligentes e boas interpretações – em especial de Frances McDormand, que dá um show com sua personagem eternamente de mal com a vida. Jennifer Anniston, embora ainda carregue o estigma da Rachel de Friends, também está ótima. Jennifer é o tipo de atriz que, ao invés de se adequar aos papéis, precisa buscar papéis que se adequem a ela. E esse lhe cai como uma luva. Amigas com Dinheiro é como se fosse uma versão alternativa do seriado Sex and the City com menos glamour e mais realidade. É fácil se reconhecer em mais de uma das situações mostradas. É fácil se identificar com as personagens. Assistir ao filme acaba equivalendo a uma boa terapia.

Candy
Usuários de drogas pesadas, a pintora Candy e o poeta Dan vivem entre o céu e o inferno: jovens, talentosos e apaixonados, porém sempre na miséria. Chegam ao ponto de Candy se prostituir para manter o vício do casal. Participou da competição oficial do Festival de Berlim de 2006.

Candy é, sem dúvida, um bom filme. Sensível, bem-escrito, lindamente interpretado e dirigido com competência. Seu único problema é ser muito parecido com outros filmes que já foram feitos sobre usuários de drogas. Longe de ter a ousadia estética de um longa como Réquiem para um Sonho, o filme acaba soando como o remake de uma história que já foi mostrada antes. Mas vale a pena conferir o trabalho maduro de Heath Ledger, que prova ser um ator cuja indicação ao Oscar não fez mal. Longe de se tornar acomodado, o cara embarcou numa viagem totalmente diferente e tão radical quanto o caubói gay de Brokeback Mountain. O destaque fica para a comovente cena do casal com o bebê no quarto de hospital.

2:37

Numa escola secundarista na Austrália, algo de terrível acabou de acontecer a portas fechadas. A partir desse fragmento de informação, o filme retrocede para esmiuçar os traumas secretos de alguns dos alunos e revela conflitos envolvendo relações amorosas, homossexualismo, drogas, abuso sexual, negligência familiar. O filme, inspirado em fatos da vida do diretor, foi exibido na mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes 2006.
Nos primeiros minutos de projeção, bateu a apreensão: seria mais um filme ruminar o massacre de Columbine? Para reforçar e piorar essa impressão, o diretor copia descaradamente os maneirismos de câmera e o estilo fragmentado de Elefante. Desnecessariamente. Felizmente, essa má impressão inicial vai se desfazendo ao longo da história, conforme 2:37 começa a decolar e ganhar autonomia. E aí a trama passa a se assemelhar àquele jogo de tabuleiro Detetive: quem seria o aluno que cometeu uma loucura? Todos tinham fortes motivos para se desesperar. A surpreendente resolução deixa claro que, na verdade, qualquer pessoa pode estar num momento em que um fato corriqueiro seja a gota d’água. Este é um filme que só pode ser analisado como um todo, considerando que algumas engrenagens só se movem ao final da história. Um exemplo disso são as inserções de depoimentos, que parecem aleatórias mas ganham sentido no desfecho. Também é interessante notar que os traumas causados pelo excesso de competitividade dos adolescentes, que atinge seu grau máximo na crueldade do ambiente escolar, não é exclusividade dos americanos.

Um comentário:

  1. 2h37 e Candy ficaram apenas na promessa e cartazes pelos cinemas Estação. C.R.A.Z.Y entrou em cartaz sim, em 2006.

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