Confesso que sinto um arrepio de pavor toda vez que ouço falar em filmes estrangeiros que abordam questões brasileiras. Tal descrição geralmente precede uma visão exótica e/ou deturpada de seja lá qual for o tema abordado. Imagina quando se fala da questão indígena. Pronto! Me preparei para ver um desfile de índios emplumados dignos de escola de samba. Mas não é nada disso que acontece em Terra Vermelha, filme italiano rodado na Amazônia.
A belíssima seqüência de abertura faz uma panorâmica pela região amazônica, numa tomada idílica que logo é cortada para o momento em que dois jovens índios encontram duas meninas da tribo enforcadas. Segue-se uma cena do enterro das meninas, realizado de modo prático e sem grandes aparatos. A partir desse instante, já fica claro que Terra Vermelha não é um filme que vem reforçar o olhar deslumbrado que a maioria dos estrangeiros tem sobre o Brasil e, sobretudo, a respeito das questões indígenas.
Apesar de ser uma produção italiana, em nenhum momento há o ranço de “filme gringo”; pelo contrário, podemos dizer que nenhum longa nacional havia abordado ainda de maneira tão realista os problemas decorrentes da convivência entre indígenas e brancos. Mazelas como a alta taxa de suicídios entre os jovens e o choque cultural causado pela insistência do homem branco em fazer a população indígena viver de acordo com o estilo de vida dito “civilizado” ganham as telas com ares documentais, impressão reforçada pela acertada opção de usar índios de verdade nos papéis principais.
O longa também discute a hipocrisia das reservas indígenas, via de regra demarcadas em terras estéreis que ninguém mais quer. O conflito central do filme acontece a partir da decisão de um líder de um grupo de guarani-kaiowá de deixar a reserva e ocupar a terra pertencente a um rico fazendeiro. Arrancados de tudo que um dia fora de seus antepassados, os nativos montam acampamento no limite das terras do fazendeiro aguardando o momento de se apropriar do que originalmente fora deles.
Terra Vermelha planta as sementes do conflito de modo a fugir de todos os clichês, apesar de sua posição pro-indígena: nem os índios são retratados como inocentes idiotizados nem o fazendeiro personificado por Leonardo Medeiros é alguma encarnação do demônio. Um belo exemplo disso é a cena que mostra o enfrentamento entre o fazendeiro e o líder indígena, que cala as argumentações do primeiro sobre estar naquela terra há três gerações comendo da mesma. Merece destaque o modo como os nativos estão longe de ser o retrato ao qual costumam ser associados: aprenderam na marra as artimanhas do homem branco e, apesar dos efeitos colaterais trazidos por ele – alcoolismo, depressão, desemprego, pobreza –, sabem se defender com as armas que possuem.
O melhor em Terra Vermelha é que, apesar de seu tom documental, o roteiro traça uma história de ficção interessante, cujo expoente maior é Osvaldo, um adolescente em conflito entre sua vocação de xamã e seus hormônios em ebulição por causa da jovem filha do fazendeiro que é inimigo de seu povo. Outro personagem bastante interessante é sua mãe, Lia, uma verdadeira mulher emancipada que escolhe seus parceiros e tem a sexualidade à flor de pele. Reparem como ela se entrega ao homem branco, mas somente na momento em que deseja e deixando bem claro que sua decisão é motivada por desejo sexual e não por subserviência cultural.
O único senão do filme está em seu ritmo desigual: muito lento na primeira metade e meio apressado na segunda, o que leva a um final meio atabalhoado. Mas isso é um pequeno detalhe diante de todas as qualidades deste exemplar admirável de bom cinema.
O melhor filme sobre o Brasil, mesmo com suas imperfeições técnicas, deixa no chinelo a praga que já viraram os favela-movies.
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