sábado, 29 de novembro de 2008

Terra Vermelha


Confesso que sinto um arrepio de pavor toda vez que ouço falar em filmes estrangeiros que abordam questões brasileiras. Tal descrição geralmente precede uma visão exótica e/ou deturpada de seja lá qual for o tema abordado. Imagina quando se fala da questão indígena. Pronto! Me preparei para ver um desfile de índios emplumados dignos de escola de samba. Mas não é nada disso que acontece em Terra Vermelha, filme italiano rodado na Amazônia.

A belíssima seqüência de abertura faz uma panorâmica pela região amazônica, numa tomada idílica que logo é cortada para o momento em que dois jovens índios encontram duas meninas da tribo enforcadas. Segue-se uma cena do enterro das meninas, realizado de modo prático e sem grandes aparatos. A partir desse instante, já fica claro que Terra Vermelha não é um filme que vem reforçar o olhar deslumbrado que a maioria dos estrangeiros tem sobre o Brasil e, sobretudo, a respeito das questões indígenas.

Apesar de ser uma produção italiana, em nenhum momento há o ranço de “filme gringo”; pelo contrário, podemos dizer que nenhum longa nacional havia abordado ainda de maneira tão realista os problemas decorrentes da convivência entre indígenas e brancos. Mazelas como a alta taxa de suicídios entre os jovens e o choque cultural causado pela insistência do homem branco em fazer a população indígena viver de acordo com o estilo de vida dito “civilizado” ganham as telas com ares documentais, impressão reforçada pela acertada opção de usar índios de verdade nos papéis principais.

O longa também discute a hipocrisia das reservas indígenas, via de regra demarcadas em terras estéreis que ninguém mais quer. O conflito central do filme acontece a partir da decisão de um líder de um grupo de guarani-kaiowá de deixar a reserva e ocupar a terra pertencente a um rico fazendeiro. Arrancados de tudo que um dia fora de seus antepassados, os nativos montam acampamento no limite das terras do fazendeiro aguardando o momento de se apropriar do que originalmente fora deles.

Terra Vermelha planta as sementes do conflito de modo a fugir de todos os clichês, apesar de sua posição pro-indígena: nem os índios são retratados como inocentes idiotizados nem o fazendeiro personificado por Leonardo Medeiros é alguma encarnação do demônio. Um belo exemplo disso é a cena que mostra o enfrentamento entre o fazendeiro e o líder indígena, que cala as argumentações do primeiro sobre estar naquela terra há três gerações comendo da mesma. Merece destaque o modo como os nativos estão longe de ser o retrato ao qual costumam ser associados: aprenderam na marra as artimanhas do homem branco e, apesar dos efeitos colaterais trazidos por ele – alcoolismo, depressão, desemprego, pobreza –, sabem se defender com as armas que possuem.

O melhor em Terra Vermelha é que, apesar de seu tom documental, o roteiro traça uma história de ficção interessante, cujo expoente maior é Osvaldo, um adolescente em conflito entre sua vocação de xamã e seus hormônios em ebulição por causa da jovem filha do fazendeiro que é inimigo de seu povo. Outro personagem bastante interessante é sua mãe, Lia, uma verdadeira mulher emancipada que escolhe seus parceiros e tem a sexualidade à flor de pele. Reparem como ela se entrega ao homem branco, mas somente na momento em que deseja e deixando bem claro que sua decisão é motivada por desejo sexual e não por subserviência cultural.

O único senão do filme está em seu ritmo desigual: muito lento na primeira metade e meio apressado na segunda, o que leva a um final meio atabalhoado. Mas isso é um pequeno detalhe diante de todas as qualidades deste exemplar admirável de bom cinema.

Um comentário:

  1. O melhor filme sobre o Brasil, mesmo com suas imperfeições técnicas, deixa no chinelo a praga que já viraram os favela-movies.

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