terça-feira, 11 de novembro de 2008

Cashback


“O tempo rodou num instante, nas voltas do meu coração...”

Sucesso na Mostra Expectativa do Festival do Rio do ano passado, o longa Cashback nasceu a partir de um curta de mesmo título realizado por Sean Ellis em 2004. O filme foi indicado ao Oscar de melhor curta-metragem no ano seguinte. Não venceu, mas deu ao diretor e roteirista inglês ânimo suficiente para transformar sua história de 18 minutos em um filme de uma hora e quarenta com o mesmo elenco. OK. Eu sei que um cara que estréia na direção de longas fazendo uma versão maior de seu curta não parece muito digno de confiança, mas a verdade é que Cashback é um filme muito bacana. E mais: ao contrário do que poderíamos supor, essa costura entre a história original e sua extensão não fica evidente para o espectador.

O protagonista é Ben Willis, um jovem estudante de arte que logo nos momentos iniciais do filme leva um estrondoso fora de sua namorada Suzy. Ele tenta reatar, mas ela já seguiu adiante e arrumou um novo namorado. Mas o que fazer se ele não consegue deixar de pensar nela um minuto sequer e, para piorar, começou a sofrer de uma implacável insônia que lhe dá ainda mais tempo para remoer suas mágoas? Para que as horas solitárias passem mais depressa, Ben arruma um emprego no turno da noite em um supermercado. Lá ele convive com uma fauna de colegas bizarros, um chefe irritante e se aproxima de Sharon, uma caixa simpática e tão sozinha quanto ele. Para espantar o tédio, Ben também desenvolve um certo delírio de que pode congelar o tempo e, mentalmente, caminhar por um mundo estático e só seu.

Impossível não lembrar de O Balconista, cult movie de Kevin Smith que é a quintessência de filmes que enfocam o dia-a-dia de pessoas comuns anestesiadas por suas vidinhas medíocres, embora Cashback me pareça um parente mais próximo do agridoce Por Um Sentido na Vida. Mas, reparando bem, Cashback é parecido com esses filmes mais em termos de ambientação do que pela temática propriamente dita. O filme de Sean Ellis tem uma dose de esperança e romantismo que o torna um híbrido de vários estilos. Sem contar a montagem esperta e o aspecto visual impregnado de realismo mágico dos delírios de Ben – que, esteticamente, lembra certos trechos de Peixe Grande.


O elenco simpático é encabeçado por Sean Biggerstaff (conhecido basicamente como o Oliver Wood dos dois primeiros filmes do Harry Potter) e Emilia Fox, que atuou em O Pianista e Jornada da Alma e soma mais de quarenta filmes no currículo. É interessante que dessa dupla inusitada entre a atriz clássica e experiente e o ator teen quase novato tenha surgido um casal tão carismático. Outro aspecto curioso é que o cartaz do filme, que mostra uma beldade semi-nua entre as prateleiras de um supermercado, vende uma idéia de provocação e rebeldia que não é exatamente o cerne da história. Cashback, embora tenha seus momentos de anarquia, é um filme mais terno e com uma delicadeza de sentimentos que vai além da mera provocação. Podemos dizer que é, antes de mais nada, uma história sobre os encontros e desencontros do amor.

E, no final das contas, é justamente essa a “moral da história”: é preciso um certo distanciamento para perceber que muitas coisas idealizadas não são nem de longe tão boas quanto outras que surgem devagarinho, sem que se perceba.

O filme estréia nesta sexta-feira.

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