quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Seabiscuit e a Reconstrução do Sonho Americano


A recente e histórica eleição de Barack Obama e a crise econômica que afeta os States me parecem uma dica para rever Seabiscuit, ambientado na época da grande depressão americana. Confesso que há cinco anos, quando ouvi falar do filme pela primeira vez, a produção me despertou interesse zero. Ainda que baseado numa história real, me pareceu ser mais um filme maniqueísta e concebido dentro do batido clichê “mocinho que supera obstáculos e alcança seus objetivos”. O tema, corridas de cavalos, também não atraiu muito. Todo esse preconceito só tornou minha surpresa maior quando algumas semanas depois, vencida pelas ótimas críticas, resolvi assisti-lo.

Muitas vezes, estar errada pode ser uma agradável surpresa. Antes de mais nada, Seabiscuit não é um filme sobre corridas de cavalos. Também não é um filme sobre cavalos. É mais sobre vidas, sejam elas humanas ou animais. A época é a grande depressão dos anos 30 e a trama nos apresenta a três personagens: o milionário da indústria automobilística Charles Howard perdeu o filho num acidente com um de seus carros, o que acabou levando a esposa a abandoná-lo; o misto de caubói e treinador Tom Smith tem grande talento no trato com os animais, mas é considerado maluco pelos seres humanos; e John “Red” Pollard, cuja família ficou na miséria, adora cavalos e quer ser jóquei, embora seja corpulento demais. Enfim, três homens massacrados pela vida que o diretor Gary Ross usa como simbologia de uma nação falida e desesperada.

É então que eles se unem em torno de um quarto candidato a perdedor: o cavalinho Seabiscuit que, a despeito de ser cria de um grande campeão, foi tachado desde cedo de imprestável. Seabiscuit era pequeno e tinha as patas tortas, além de comer muito e ter fama de preguiçoso. Para completar o quadro, os maus-tratos constantes o deixaram rebelde e arredio. Desacreditado, foi treinado para correr com cavalos melhores e deixar que ganhassem. Apesar disso, Tom Smith enxerga nele um campeão e convence Charles Howard a comprá-lo, o que acarreta um novo problema: ninguém conseguia montar o cavalo. É então que entra no circuito Red Pollard e o relacionamento entre estes dois enjeitados, associado à perseverança e trabalho duro dos envolvidos, se transforma na receita de sucesso perfeita.

O roteiro foi baseado no livro Seabiscuit - Nascido para Ganhar, de Laura Hillenbrand, que narra como a trajetória de Seabiscuit apaixonou o povo, já que representava a reconstrução de suas próprias vidas e a esperança de que era possível sair do atoleiro em que o país se afundara. Mas talvez o conceito mais importante seja o de que é possível dar uma segunda chance a quem falha. E os americanos, mais do qualquer nação, têm dificuldade em encarar o fracasso como algo reversível. Toda a filosofia do filme pode ser compactada na fala do treinador Tom Smith: “Não se joga fora uma vida inteira por causa de um problema”. Em seu livro, Hillenbrand afirma que, na época, se escreveu nos jornais mais sobre Seabiscuit do que sobre o presidente Franklin Roosevelt.

Além da emotiva história com ares de conto-de-fadas, grande parte do encanto de Seabiscuit vem de seu elenco afinado. Os protagonistas, que o roteiro acertadamente apresenta em separado antes de seu encontro, nos conquistam com suas sofridas histórias. Sendo assim, quando eles se juntam num objetivo comum já têm a torcida da platéia. Chris Cooper - o militar enrustido de Beleza Americana e vencedor do Oscar de ator coadjuvante por Adaptação - está perfeito, mais uma vez, como o sábio Tom Smith. Jeff Bridges, que com a maturidade se tornou um bom ator, também tem atuação bem eficiente nas diversas facetas do milionário Howard. É preciso destacar também o hilário locutor de turfe interpretado por William H. Macy. E por último, mas não menos importante, temos Tobey Maguire. Mesmo tendo alcançado o estrelato no ano anterior ao vestir a malha do Homem-Aranha, foi em Seabiscuit que o ator de grandes olhos azuis finalmente pôde provar ao mundo que sabe interpretar. Sua atuação como o jóquei John “Red” Pollard, um enjeitado que encontra a redenção no relacionamento com o cavalo que dá título ao filme, é intensa, comovente e também contida – como convém a um personagem tão ferido. Um belo trabalho.

Algumas curiosidades: Seabiscuit foi “interpretado” por 10 cavalos diferentes. Já o jóquei George Woolf, amigo de Red Pollard, foi vivido por Gary Stevens, um campeão do turfe na vida real. Aos que nunca se interessaram pelo filme, uma dica: não caiam no mesmo erro que eu incorri ao subestimar a produção. Assim como o animal que o inspirou, Seabiscuit, o filme, é muito mais do que aparenta à primeira vista.

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