domingo, 12 de julho de 2009

Harry Potter e o Enigma do Príncipe


Mais uma vez, estamos de volta a Hogwarts. Depois de um adiamento de oito meses em relação a sua previsão original de estréia (novembro de 2008), chega às telonas do mundo inteiro o sexto filme da franquia Harry Potter. A expectativa era enorme, não apenas pelo bom trabalho que o diretor David Yates havia realizado no longa anterior, mas sobretudo por se tratar da adaptação do melhor dos sete livros da série.

Em Harry Potter e o Enigma do Príncipe, a atmosfera é das mais assustadoras. Agora que o retorno de Voldemort é de conhecimento geral, seus comensais da morte não mais temem se expor e barbarizam tanto a comunidade bruxa como o mundo dos trouxas. Nem mesmo Hogwarts parece tão segura quanto antes. Dumbledore está preocupado com o futuro, já que sabe que deve preparar Harry para o inevitável confronto com Voldemort. Ele acredita que um ex-professor de poções da escola, Horacio Slughorn, conhece uma informação vital sobre os poderes do bruxo das trevas e o convence a voltar à escola usando como isca a oportunidade de lecionar para o famoso Harry Potter. Dumbledore sabe que Slughorn se envaidece de conviver com celebridades e acha que Harry é a pessoa certa para conseguir extrair a memória que ele tão ferozmente tenta ocultar. É na aula do professor Slughorn que Harry encontra um antigo livro de poções que pertenceu a alguém que se intitula “o príncipe mestiço” e que traz várias anotações inteligentes que fazem com que ele se destaque na classe. Hermione acha que o livro é perigoso. Estaria ela certa ou apenas com ciúmes de não ser a melhor pela primeira vez?

Seria ingênuo pretender analisar esse filme em separado sem que nesta opinião ecoasse todo o fenômeno Harry Potter. A aventura do personagem na telona, que se iniciou quando ele era uma criança em Harry Potter e a Pedra Filosofal (2001) e seguiu adiante nos anos seguintes com mais quatro filmes até chegar neste sexto, é algo que extrapola os limites de um único longa-metragem. Não apenas por se tratar de um personagem que “cresce”, mas pelo amadurecimento da trama em si – mais adulta, perigosa e emocionante a cada filme. A esta altura pouco resta da inocência e deslumbramento daquele menino que descobriu um mundo mágico que parecia a solução para todos os seus problemas. Harry vai percebendo que o universo bruxo tem desafios piores do que o mundo no qual foi criado e que seu papel nesse cenário é um fardo que ele não pode evitar.

Mas em um ponto todos os adolescentes se parecem, sejam eles bruxos ou não: quando se trata de vivenciar as trapalhadas e desenganos do amor. Uma característica muito forte nesta fase e que serve como alívio cômico para a obscuridade geral é a explosão de hormônios que atinge os personagens principais. Harry se tortura por só ter notado os encantos de Gina Weasley agora que ela tem um namorado; Rony tem que lidar com as emoções à flor da pele de sua primeira namorada, Lilá Brown; e Hermione se enche de ciúmes de Rony, embora tente a todo custo disfarçar. O destaque é a novata Jessie Cave, que interpreta Lilá e arranca boas risadas com suas exageradas demonstrações de afeto. Apenas um aluno permanece indiferente ao clima de azaração geral: Draco Malfoy tem outras coisas com que se preocupar, já que foi convocado pelo próprio Voldemort para uma missão que trará conseqüências irreversíveis.


Falar do desempenho de atores do porte de Alan Rickman, Michael Gambon e Helena Bonham-Carter é chover no molhado. A boa surpresa é Tom Felton, o Draco Malfoy, que volta a ter destaque neste filme e mostra um surpreendente amadurecimento como ator. Pela primeira vez, o vilãozinho arrogante que todos adoram odiar demonstra sinais de fragilidade e dúvida. Já o trio central formado por Daniel Radcliffe, Emma Watson e Rupert Grint está inserido de tal forma no imaginário dos espectadores que não há mais como analisar o desempenho dos atores simplesmente porque é difícil separá-los de Harry, Hermione e Rony. Mas vale destacar as habilidades cômicas de Rupert. Quanto aos novos atores, é sempre um ganho ter alguém do nível de Jim Broadbent no elenco. No papel de Horacio Slughorn, o ator destila uma aura de sofisticação empobrecida que é perfeita para o personagem. Alpinista social, vaidoso, espirituoso e elegante, mas também atormentado por alguns erros do passado, ver Broadbent em cena é puro deleite. Ponto também para a caracterização e figurino. Perfeitos. Também merece atenção a participação de Hero Fiennes-Tiffin (sobrinho de Ralph Fiennes) como a versão infantil de Voldemort. O garoto é impressionante. Já a Narcisa Malfoy de Helen McCrory decepciona um pouco. De acordo com os livros, Narcisa é uma vilã mais por associação do que por vocação e sua aparência contrasta de todas as formas com a da irmã desvairada Belatriz (essa sim, má de doer). Bom, na tela não há um contraste tão forte entre as duas.

Os efeitos especiais e a direção de arte deste longa em particular são fantásticos, o que fica evidente logo no princípio do filme, quando espirais de fumaça negra (na verdade, comensais da morte) sobrevoam Londres e destroem a Millenium Bridge enquanto transeuntes apavorados correm para salvar suas vidas. A cena é de tirar o fôlego, digna dos melhores filmes-catástrofe. Também a sequência em que Belatriz e Greyback perseguem Harry e Gina em um matagal antes de atearem fogo à casa da família Weasley é excelente. Sem contar a concepção de Hogwarts, constantemente envolta em nuvens cinzentas e com um aspecto pra lá de agourento, e as eletrizantes sequências de quadribol. Mas embora seja um primor visual do início ao fim, o filme resiste à tentação do puro show pirotécnico e limita os espetaculares efeitos visuais a serviço da história.


O roteirista dos quatro primeiros filmes, Steve Kloves, reassume o posto (o único roteiro que não foi escrito por ele foi o de Harry Potter e a Ordem da Fênix) e mostra habilidade na costura das diversas idas e vindas entre o tempo presente e as memórias passadas. Mesmo alterando bastante a narrativa original, Kloves foi fiel à essência da história e injetou dinamismo e ritmo na medida certa. Também soube intercalar com eficiência tensão e perigo com cenas românticas. É claro que é discutível o peso que esse sexto filme dá aos assuntos do coração, sacrificando outros pontos de importância para a trama. Um exemplo é o fato de Snape ter conseguido o cargo que cobiça desde o princípio da saga. O assunto é mencionado tão de leve que passa despercebido. Até mesmo a relação de Harry com o livro de poções e o mistério sobre seu antigo dono, detalhe importante a ponto de nomear o episódio, acaba bastante diluído. Também é chato que personagens bacanas como Lupin e Tonks virem figurantes. Mas OK, comprimir é preciso. Considerando a imensa quantidade de personagens e subtramas com que a autora J. K. Rowling tece suas histórias, a grande discussão invariavelmente é sobre o que deixou de ser visto na tela.

O certo é que as adaptações vem evoluindo, o que faz com que o filme mais recente seja sempre o mais vibrante. E este não é exceção. Trata-se da melhor adaptação até o presente momento. Harry Potter e o Enigma do Príncipe é um filme extremamente bem-cuidado, dirigido com competência, bem interpretado e que conta uma história envolvente de modo impecável em termos técnicos. Difícil não gostar, seja você um leitor ávido ou um espectador ocasional. Agora é esperar para ver se o último longa da série, Harry Potter e as Relíquias da Morte, estará à altura. O filme será dividido em duas partes. A primeira tem previsão de lançamento para novembro de 2010 e a segunda, para meados de 2011. Até lá, não é exagero pensar em algumas indicações ao Oscar. Fotografia, direção de arte, figurino e efeitos visuais é o mínimo que este filme merece.

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