terça-feira, 7 de julho de 2009

Casamento Silencioso


O cinema romeno vem se destacando por apresentar filmes vigorosos, críticos e originais a despeito de seu mercado minguado e indústria tímida. Filmes premiados como A Leste de Bucareste e Como Festejei o Fim do Mundo vem chamando a atenção do mundo para essa cinematografia de humor e criatividade bastante inusitados. Em 2007, Cristian Mungiu venceu o prêmio máximo do Festival de Cannes com 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias. Numa época em que cinematografias mais tradicionais tem apresentado pouco de realmente inovador, o cinema romeno surge como um grande gerador de novidades. Mais um exemplar que vale muito a pena conhecer é Casamento Silencioso, que chega às telas brasileiras nesta sexta.

Nos dias atuais, uma equipe de reportagem chega a uma antiga vila romena para fazer uma reportagem sobre fenômenos paranormais. O lugar ermo e desolado é habitado apenas por mulheres enlutadas. Os jornalistas estranham e pedem ao prefeito, único homem da região, que lhes conte o que ocorreu ali. Essa é a senha para que se desenrole o longo flashback que constitui o filme.

O ano é 1953 e a Romênia vive sob o jugo do comunismo russo, apesar de reunir poucos simpatizantes ao regime. A austeridade russa era vista com deboche e sarcasmo pelos alegres e barulhentos habitantes daquela região de camponeses onde as desavenças resolviam-se na base de piadas e vinho na taberna local. Mara e Iancu, jovens no fervor da paixão, vivem se embrenhando na floresta para transar, o que vem a público e causa tumulto entre os familiares do casal. O pai da moça quer forçar o casamento e o pai do rapaz defende a tese de que ela se entregou porque quis. Depois de um princípio de briga, Iancu restabelece a paz ao aceitar se casar com Mara e tudo termina em abraços e bebedeira generalizada. A data é marcada e cada habitante se empenha nos preparativos da grande festa coletiva.


Justamente no dia do casamento, chega à vila a notícia da morte de Stalin. O governo russo decreta sete dias de luto oficial e, durante essa semana, nenhum tipo de comemoração será permitida. A festa, que estava começando, é interrompida por um oficial russo, que ordena que a comida seja recolhida e as mesas desfeitas. Mas os moradores não pretendem abrir mão de toda celebração organizada e resolvem continuar a festa em segredo. Silenciosamente.

Demonstrando um senso de humor pra lá de peculiar, podemos perceber que a trama nos prepara desde os primeiros instantes para o casamento silencioso do título. Àquela altura, já não nos parece improvável que aquelas pessoas arrisquem a vida e a liberdade em nome de uma festa. Porque sua alegria de viver significava a própria liberdade. Era o que os mantinha unidos e lhes dava identidade como povo.

A reunião silenciosa e a criatividade com que eles continuam a celebrar é uma das mais interessantes sequências que já tive oportunidade de ver no cinema. Simplesmente antológica. Embora a situação seja essencialmente cômica, o trágico insinua-se no ar e cada acontecimento divertido mistura-se a um sentimento de tensão muito forte. Em diversos momentos o espectador sente-se indeciso entre achar graça ou temer pelo destino daquelas pessoas que bravamente resistem a serem tolhidas em seus direitos. Mesmo que o direito em questão seja algo aparentemente simples como celebrar um casamento.

A mensagem da história vai muito além do acontecido naquela pequena vila e fala de um país silenciado que transforma no bom humor e na obstinação em não abrir mão de seu estilo de vida uma forma de resistência. Um grito de liberdade em um brinde silencioso, em uma banda que toca uma canção inaudível, em um agradecimento passado de ouvido em ouvido.

Embora a sequência do casamento seja o ponto culminante do filme, outro momento que vale a pena destacar e serve como prenúncio do que está para ocorrer é quando representantes do governo russo encarregam o prefeito de exibir um filme para a população. Diante de seus argumentos de que não possuem luz elétrica, o pobre homem é intimado a dar seu jeito sob pena de ser acusado de impedir a expansão cultural do povo. O que se vê no cinema improvisado é pura propaganda ideológica e logo aquelas pessoas mais interessadas em bem viver do que em ouvir discursos vazios se distraem e criam uma divertida pantomima ao estilo de Chaplin e dos irmãos Marx. Que ocorre na platéia, e não na tela.

Por tudo isso, o longa do diretor e roteirista Horatiu Malaele é mais um ótimo exemplar do cinema que vem do leste europeu. Que bons ventos continuem soprando de lá.

Um comentário:

  1. Um ótimo filme tragicômico. A cena do casamento silencioso é antológica. O filme realiza uma dura crítica ao bolchevismo em sua vertente stalinista. É verdade que a restrição às liberdades civis eram enormes na URSS durante o capitalismo de estado que lá existiu. Mas será que no capitalismo privado, como é hoje inclusive na Rússia e na Romênia, as coisas melhoraram? É preciso superar todas as formas de governo e modos de produção que restrinjam as liberdades humanas!

    Giancarlo Sanguinetti

    ResponderExcluir