terça-feira, 4 de agosto de 2009

O Contador de Histórias


Imaginem um menino nascido numa favela em Belo Horizonte, caçula de dez irmãos, que, aos seis anos, é levado pela própria mãe para a Febem. Não por abandono ou desafeto e sim porque a pobre ingênua acreditou piamente em uma propaganda do governo que dizia que a instituição transformava crianças carentes em “doutores”. Aos treze anos, Roberto acumula uma centena de fugas, cometeu vários roubos, mente descaradamente e anda com as piores companhias. Perdeu o contato com a mãe. Ainda não aprendeu a ler nem escrever. A diretora da instituição o classifica como irrecuperável. Um caso perdido.

Dotado de uma imaginação fértil a despeito do analfabetismo, a vida do menino irrecuperável começa a mudar quando ele desperta o interesse de Margherit Duvas, uma pedagoga francesa com o coração do tamanho do mundo e que não se conforma com tal diagnóstico. O Contador de Histórias traz para o cinema a história real de Roberto Carlos Ramos, hoje em dia um professor especializado em literatura infantil que é considerado um dos melhores contadores de histórias do mundo.

Os estreantes Marco Antonio Ribeiro, Paulo Henrique Mendes e Cleiton dos Santos da Silva interpretam Roberto aos 6, 13 e 20 anos, respectivamente. Todos ótimos, especialmente Marco Antonio. Margherit é vivida na tela pela experiente atriz portuguesa Maria de Medeiros, em bela e comovente atuação. Maria, aliás, já deve ter perdido a conta de quantas vezes fez papel de francesa no cinema. Só em produções brasileiras, é a segunda vez – ela foi Sarah Bernhardt em O Xangô de Baker Street. O filme conta ainda com uma divertida participação de Chico Diaz como um ambulante picareta.

A direção é de Luiz Villaça, mais conhecido por trabalhar em conjunto com a esposa, Denise Fraga (Por Trás do Pano, Cristina Quer Casar e a série retrato Falado). Segundo Villaça, seu envolvimento no projeto surgiu de forma espontânea quando, há alguns anos, estava colocando o filho para dormir e começou a ler para o menino um livro que ele ganhara. O autor? Roberto Carlos Ramos. Na contracapa, havia um resumo sobre a vida do autor e Villaça ficou imediatamente interessado, contagiando também Denise. Os dois conseguiram o telefone de Roberto e logo começaram a longa e difícil fase de captar recursos para tocar o projeto.

O melhor na estrutura de O Contador de Histórias é que o filme não transforma a incrível trajetória de Roberto Carlos em um vale de lágrimas repleto de lições de moral (e olha que não faltariam elementos para isso). Pelo contrário, o relato – feito pelo próprio personagem – é temperado com poesia e muito bom humor. As sequências mais deliciosas certamente são aquelas em que Roberto dá asas à imaginação como válvula de escape para a realidade, como imaginar a Febem como um circo, o trombadinha habilidoso como um príncipe ou a professora de ginástica obesa como um hipopótamo. Um trecho que merece destaque especial é a hilária cena em que ele inventa para Margherit uma história delirante e psicodélica no qual ele e a família assaltam um banco e ele assume a culpa sozinho por ser “de menor”.


O longa tampouco se detém na questão da violência ou na crítica institucional. Embora utilize os temas por vezes com uma crueza chocante, o faz sempre como acessórios necessários à trama contada e não como muletas para forçar a piedade no espectador. O foco central da história está no relacionamento humano e em como o amor incansável e incondicional de Margherit foi capaz de transformar a vida de Roberto. A sua recusa em desistir daquela criança até pareceria pouco crível... se não tivesse sido real. Pessoas como Margherit Duvas causam ligeiro incômodo em todos nós, em geral tão rápidos em diagnosticar, acusar e condenar. Dá o que pensar. Estreia nesta sexta.

Nenhum comentário:

Postar um comentário