domingo, 9 de agosto de 2009

Às Vezes é Preciso Usar um Punhal para Atravessar o Caminho


Em tempos de sucateamento da cultura, quando muitas vezes a arte se rende ao culto às celebridades, o grupo teatral Laranja Eletrônica utiliza esses e outros percalços para construir uma cáustica crítica ao vazio existencial que perturba os jovens de hoje em dia. Às Vezes é Preciso Usar um Punhal para Atravessar o Caminho, em cartaz no Espaço Cultural Sérgio Porto, mostra um grupo tão inconformado com a alienação de sua geração que cria uma célula terrorista intitulada Clube do Mickey. Usando personagens da Disney como codinomes e orelhas de rato, o grupo decide semear pânico na sociedade através de um plano suicida de assassinar dez celebridades usando apenas punhais.

Logo à entrada, o espectador recebe um programa que explica o porquê do ingresso do espetáculo custar o icônico valor de 1,99. Segundo o diretor Ivan Sugahara, as pessoas tem ou pensam ter pouco dinheiro e preferem não gastá-lo com cultura porque não conseguem pensar em valor desvinculado de dinheiro e 1,99, consequentemente, não é apenas o que se tem no bolso, mas também na cabeça, no espírito e no coração, já que estamos todos em permanente liquidação.

Ao entrar no espaço cênico, o espectador pode escolher entre se sentar nas arquibancadas ou em almofadões no meio do palco. O público se espalha à vontade, podendo deitar nos almofadões maiores se assim preferir. Eu particularmente recomendo a visão da peça dali, sem nenhuma contra-indicação aos tímidos – a peça não é daquelas que obriga o espectador a interagir, embora ele possa participar batendo palmas, cantando ou até mesmo ajudando a sugerir personalidades que merecem ser assassinadas.

As cenas acontecem em todas as direções, muitas vezes simultaneamente. Além dos jovens terroristas, há toda uma fauna de personagens bizarros que gravitam nesse universo, como o revolucionário da geração de 68 que acha que agora está tudo uma maravilha, uma psicóloga vedete que arrasa com as pessoas em rede nacional, os ídolos idiotizados de uma famosa boy band e sua histérica fã número um que vive para eles. A concepção cênica é divertida, multifuncional, colorida. Interessante notar como o texto de Roberto Alvim critica a histeria da cultura pop e, ao mesmo tempo, a encenação faz uso dela para tornar o espetáculo mais dinâmico, ágil, vibrante.

O elenco é carismático, cheio de vibração e tão entrosado como grupo que seria até injusto destacar alguém. Como personagem, chamam atenção a maldosa e histérica doutora Chevalier (que parece uma esquisitíssima mistura de Marília Gabriela, Ratinho e Ivete Sangalo, tudo ao mesmo tempo) e o terrorista neurótico que se intitula Pluto. Também são especialmente divertidas as coreografias bregas que os meninos do TNT fazem ao som de sucessos do RPM. Vale destacar que os rapazinhos se chamam Kiko, Robinson e Leo. Lembraram de alguém? Pois é. O espectador vai lembrar de muita coisa que está aí na mídia ao longo desta deliciosa e inteligente crítica ao sistema. Mas sem didatismo, sempre com uma pegada irreverente.


A direção segura e precisa de Ivan Sugahara, também diretor do grupo Os Dezequilibrados (com “z” mesmo), impõe ritmo à energia natural do elenco e faz com que o resultado final seja uma peça fascinante, divertida e muito surpreendente. Imperdível. A gente se sente até meio desonesto em só pagar 1,99 e receber tanto em retorno.

Às Vezes é Preciso Usar um Punhal para Atravessar o Caminho. Texto: Roberto Alvim. Direção: Ivan Sugahara. Com Carolina Ferman, Edson Cardoso, Fábio Buechem, Gabriel Albuquerque, Gabriela Carneiro da Cunha, José Karini, Leonardo Carvalhal, Maria João Rebelo, Mateus Tiburi, Nara Parolini, Rodrigo Sobrera, Thiago Ristow e Vânia Ferreira. Espaço Cultural Sérgio Porto (Rua Humaitá, 163). Sextas e sábados às 20h30, domingos às 20h. 90 minutos. Até 23 de agosto.

2 comentários:

  1. Eu tenho uma orelhinha dessas, mas a minha tem cordinha de formatura.
    BLEH

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  2. Dra. Chevalier(Carolina Ferman) é Maravilhosaaaaa!!!

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