quinta-feira, 5 de novembro de 2009

O Solista


O britânico Joe Wright, diretor de filmes bacanas como Orgulho e Preconceito e Desejo e Reparação, tem uma pegada extremamente competente quando se trata de adaptar romances de época para a telona. Wright sabe discernir muito bem a delicada fronteira que separa cinema de literatura e bebe na obra de autores clássicos como Ian McEwan e Jane Austen sem que seus filmes fiquem arrastados ou excessivamente narrados, ou seja, com cara de livro filmado. Não deixa de ser irônico, portanto, que alguém que dribla com tanta desenvoltura as armadilhas do romance vitoriano fracasse tão tolamente em um filme contemporâneo.

O Solista, baseado no livro homônimo de Steve Lopez, relata a inusitada amizade que se desenvolve entre o jornalista Lopez e o sem-teto Nathaniel Ayers. Logo no princípio do filme, vemos que Steve é um cara que dá muita atenção à sua coluna de jornal e pouquíssima às pessoas. Sempre em busca de um assunto interessante para explorar, ele se depara com Nathaniel, talentoso músico que vive nas ruas e é obcecado por Beethoven. Steve descobre que Nathaniel é esquizofrênico e foi aluno da renomada Juilliard School antes de ter um colapso no segundo ano e abandonar tudo. A amizade entre os dois homens vai ganhando contornos de dependência conforme Nathaniel faz de Steve seu único arrimo.

O Solista é um filme que, a despeito de suas constantes tentativas de emocionar, não consegue capturar a cumplicidade do espectador. Talvez por se manter sempre dentro do estritamente previsível. Quantas vezes já vimos um filme assim, sobre um cara egoísta que se torna uma pessoa melhor graças ao envolvimento com um personagem, de alguma forma, outsider? Rain Main é a comparação mais óbvia, ainda que O Solista fique muito aquém em termos de qualidade. Sem contar que o filme sobrecarrega muitas cenas com uma dose de pieguice desnecessária. Um exemplo disso é quando Steve leva Nathaniel a um recital e fica maravilhado com a reação visceral deste à música. Numa clara alusão ao clássico Fantasia, a tela se enche de explosões de cores, para ilustrar como o personagem “vê” os sons. Além do didatismo irritante, a cena ainda é excessivamente alongada.

Os dois protagonistas estão bem em cena, sendo a performance de Robert Downey Jr. superior à de Jamie Foxx. O que não pega muito bem para Foxx, já que o seu personagem é claramente caracterizado de forma mais simpática. O problema é que o ator exagera em alguns surtos de loucura, o que faz com que por vezes Nathaniel ganhe um ar caricatural, enquanto Downey Jr. mantém-se sempre mais coerente.

No todo, fica a decepção de um produto final muito fraco em relação a seu potencial. Um filme engessado, burocrático, pobre de rimas e fora do ritmo. Totalmente contrário à centelha criativa que se espera de um belo solo. Estreia amanhã.

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