terça-feira, 10 de novembro de 2009

Aconteceu em Woodstock


O ano é 1969 e o jovem Elliot Tiber abandonou sua vida em Nova Iorque e seu sonho de tornar-se um pintor de sucesso para retornar à pequena White Lake para tentar ajudar os pais a administrar o motel da família, que está falido e prestes a ser confiscado pelo banco. Ao saber que um festival de rock que aconteceria numa cidade vizinha teve sua licença revogada, Elliot, que é membro do conselho municipal e tem uma autorização para promover eventos culturais, resolve tentar trazer o evento para sua propriedade e, dessa forma, arrecadar fundos para salvar os negócios da família. O que ele não podia imaginar é que o evento - o mítico Festival Woodstock – reuniria meio milhão de pessoas na pequena cidade e se transformaria numa celebração que definiria toda uma geração e influenciaria a cultura popular de forma definitiva.

Ao longo de três dias, cerca de meio milhão de pessoas viraria pelo avesso a rotina pacata de uma pequena cidade, em um acontecimento fadado a inscrever-se definitivamente na memória coletiva. Aconteceu em Woodstock remete a esse espírito, embora absolutamente nada do Festival em si seja mostrado na tela. Quem estiver esperando ver uma recriação das célebres apresentações de ícones como Jimi Hendrix ou Janis Joplin, pode esquecer. Baseado no romance Taking Woodstock: A True Story of a Riot, a Concert, and a Life, escrito por Tom Monte e pelo próprio Elliot Tiber, este novo trabalho de Ang Lee usa o acontecimento como pano de fundo e concentra-se nos personagens que fizeram o evento acontecer, e em especial na perspectiva de Elliot.

Embora o Festival paire sobre o filme, não é a música que interessa a Lee e sim o ritual de autodescoberta e conquista da liberdade pelo qual passa o protagonista, um rapaz de origem judaica com homossexualidade reprimida e uma extrema dificuldade em tomar as rédeas de sua própria vida. O modo como a trama aborda Elliot faz com que o filme lembre um pouco outra produção sobre música ambientada quase na mesma época, Quase Famosos. Só que o caso de Elliot é muito mais um momento de virada do que um rito de amadurecimento. Ele precisa desesperadamente de algo que o impulsione a mudar de rumo, e por isso o encontro com o estilo hippie, o desbunde, as drogas, enfim, toda a cultura do “paz e amor” causa um choque e sede de liberdade tão intensos.


Para o papel de Elliot Tiber, Ang Lee apostou no desconhecido Demetri Martin, que, aliás, tem uma ficha mais extensa como autor de televisão do que como ator. Boa escolha. Martin não apenas dá conta do recado como o fato de ser um rosto desconhecido confere um quê maior de realismo ao longa. Claro que para compensar o salto no escuro, foram escalados atores tarimbados como os britânicos Imelda Staunton e Henry Goodman – ambos arrasam como os pais de Elliot. Destaque também para o ex-militar transexual vivido por Liev Schreiber e as participações de astros em ascensão como Paul Dano, Jeffrey Dean Morgan e Emile Hirsch. Este último, aliás, é responsável por uma das melhores falas do filme. Seu personagem é um soldado recém-chegado do Vietnã com dificuldades de readaptação, e diz que gostaria de voltar para lá com o seguinte argumento: “Lá eu sou normal”. Uma curiosidade: Emile Hirsch cabeludo e fazendo cara de doido parece uma versão magra do Jack Black.

Com este ótimo e bem dirigido filme, Ang Lee prova mais uma vez sua versatilidade e competência como diretor. Depois do altamente estilizado e oriental Desejo e Perigo, o cineasta volta seus olhos para a geração americana que viveu a era da contracultura, dos protestos e do Vietnã e realiza um filme vibrante e pleno de afetividade sobre o espírito que norteou Woodstock... sem mostrar o Festival de Woodstock. 

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