sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Procedimento Operacional Padrão


Procedimento Operacional Padrão toca em um tabu para os americanos: o abuso do exército do Tio Sam contra seus presos acusados de terrorismo. Assunto que já foi tema de outro documentário recente, o contundente O Caminho para Guantánamo, de Michael Winterbottom. Enquanto o longa de Winterbottom focava suas denúncias na prisão americana em Cuba, Errol Morris optou por um episódio muito mais documentado: as humilhações sofridas pelos presos de Abu Ghraib. Para quem não está ligando o nome ao escândalo, trata-se daquela prisão iraquiana que os americanos transformaram em campo de detenção de suspeitos de terrorismo logo que ocuparam o país. Para vigiar os prisioneiros, foram designados soldados inexperientes, que logo começaram a espantar o tédio se divertindo sadicamente às custas dos detentos. O horror se tornou público através de fotos tiradas pelos próprios soldados – orgulhosos de seus quinze minutos de poder – que acabaram vazando para a mídia.

Qualquer um que não tenha estado em Saturno nos últimos anos teve oportunidade de ver nos noticiários as imagens da soldado Lynndie England puxando um homem nu por uma coleira. Ou fazendo sinal de positivo ao lado de um cadáver desfigurado. Como dizem os publicitários, uma imagem vale por mil palavras. E essas imagens são tão claras e inquestionáveis que é impossível não se irritar com o filme quando vemos que grande parte da projeção é dedicada a deixar não apenas Lynndie (que surge na tela toda produzida), mas todos os envolvidos se defenderem ou empurrarem a responsabilidade para outros. Depoimentos de pessoas que já foram condenadas por seus crimes só fazem sentido quando trazem uma nova luz aos acontecimentos, mas não é o que acontece. Com explicações como “todo mundo fazia” ou “mandaram que eu fizesse”, os soldados tentam justificar o injustificável.

O filme ganhou o Grande Prêmio do Júri no Festival de Berlim do ano passado, o que eu considero um exagero. De todo modo, vale para que o espectador tenha uma visão completa da quantidade de provas materiais e da extensão do dano causado pelos auto-intitulados “defensores da liberdade” à população iraquiana. Ao ouvir alguns depoimentos, fica bem claro que os americanos estavam deliberadamente tirando de circulação qualquer homem que estivesse em idade e condições físicas de lutar contra eles. E, uma vez detido em Abu Ghraib, não fazia a mínima diferença se o cara era, de fato, envolvido com terrorismo ou apenas resolveu comprar pão na hora errada.

Também a imensa quantidade de fotos sádicas tiradas pelos recrutas e guardadas como souvenir dá uma medida da total falta de preparo desses soldados. Alienados, a maioria se comportava como se estivesse jogando videogame e não lidando com a vida de seres humanos reais. Um caso em que simplesmente punir os autores dos crimes não resolve nada: também o exército americano precisaria reavaliar seus métodos de treinamento, já que aquelas pessoas estavam ali representando a instituição. O próprio título do filme dá uma dica do quanto o modus operandi oficial influencia (para o mal) um soldado despreparado, ou seja, há uma linha divisória não muito clara entre o procedimento padrão e a tortura indiscriminada. Os abusos institucionalizados do exército americano alimentam seus próprios monstros.

Em termos de concepção, o filme derrapa ao fazer dramatizações exageradas e animações sem propósito a respeito dos fatos. A música de Danny Elfman, geralmente um fator de qualidade nos filmes, aqui parece deslocada e exagerada, chegando a distrair o espectador do que está sendo mostrado. As fotos são exibidas na tela com um excesso de efeitos especiais que só diminuem o impacto das mesmas. Sabe aquelas pessoas que descobrem o Power Point e de repente começam a brincar com o programa o tempo todo, fazendo tudo em slides e mandando para os amigos? É a impressão que temos ao ver algumas cenas do filme. Um pouco mais de sobriedade não faria mal algum.

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