quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Abraços Partidos


Filme novo de Almodóvar nas telonas é sempre um acontecimento muito aguardado, visto o grau de excelência a que nos acostumou o cineasta espanhol. A exemplo do que ocorre com Woody Allen, Almodóvar atingiu um grau de maturidade em sua carreira que torna quase impossível que ele faça um filme ruim. Geralmente, a comparação é entre o sublime e o muito bom. Colocando sob essa perspectiva, podemos considerar Abraços Partidos “apenas” muito bom. Só que um longa que está um degrau abaixo no padrão Almodóvar também está vários degraus acima da média geral.

A trama se desenvolve em três épocas distintas: em 1992, acompanhamos a vida dupla de Lena e seu sacrifício para ajudar financeiramente os pais. Dois anos depois, Lena está casada com o rico e ciumento Ernesto, seu antigo patrão, e tenta retomar a carreira de atriz interrompida tempos atrás. É quando conhece o cineasta e escritor Mateo Blanco. Em 2008, reencontramos Mateo. Ele está cego e continua escrevendo roteiros com ajuda de seus assistentes, mas obviamente não pode mais dirigir os filmes. Para estabelecer esse marco divisório, adotou definitivamente o pseudônimo Harry Caine. O fio condutor entre essas três histórias é revelado aos poucos ao espectador, num quebra-cabeça metalinguístico cheio de referências ao universo da sétima arte e, principalmente, à obra do próprio Almodóvar. O filme ainda compreende não apenas três momentos no tempo, mas também diversas camadas narrativas.


Lluís Homar, que interpreta Mateo/Harry, apresenta uma performance exemplar. Não apenas pelo papel de cego – o que, por si só, já representa um grande desafio a qualquer ator –, mas sobretudo por representar o mesmo homem em duas fases tão distintas de sua vida. Em 1994, Mateo é um profissional seguro, bem-sucedido, apaixonado, destemido; catorze anos depois, um homem debilitado, lutando para não sucumbir. Outro destaque é a discreta e muito eficiente caracterização de envelhecimento feita em Homar e Blanca Portillo. E ainda temos Penélope Cruz, bela e poderosa, no auge de sua carreira. A atriz felizmente deixou para trás sua fase de pagação de mico no cinemão americano e tem se mostrado uma grande atriz desde que voltou a trabalhar com Almodóvar.

Abraços Partidos não é um filme muito fácil. Não tem a fluidez e as emoções gritando à flor da pele de longas anteriores, como Volver e Tudo Sobre Minha Mãe. Sob diversos aspectos, podemos dizer que a estrutura de Abraços Partidos remete um pouco à de Má Educação. É uma trama mais cerebral, com ritmo mais lento, menos passional do que a maioria dos filmes do cineasta. Não que os personagens não estejam todos explodindo com as mais diversas e controversas emoções; a diferença está na abordagem mais seca por parte do diretor. Pode desagradar muita gente e eu não vou negar que, de imediato, o efeito geral foi um pouco menos envolvente. Mas passado o susto inicial – quando deixei a sala escura levemente decepcionada – o longa começa a intrigar, como se fosse um pouco complicado apreender todas as suas camadas de imediato. E reside justamente aí, na capacidade de se renovar e surpreender, a marca do artista ímpar que é Almodóvar.

Estreia nesta sexta. Confiram!

2 comentários:

  1. Maravilhoso!

    Pobres dos que repetem o clichê de que Almodóvar se repete.
    Minha crítica já tá quas epronta.
    Em breve no ar.

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  2. Um dos melhores do ano. Eu fiquei babando por aquelas imagens, aqueles planos. Até a Penélope Cruz funciona na mão desse cara!

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