terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Os Infiltrados


Enquanto não chega a vez de Ilha do Medo, é sempre boa pedida rever o brilhante e premiado Os Infiltrados. Quando o assisti pela primeira vez, há cerca de três anos, fui ao cinema com a mais baixa das expectativas. Parecia quase uma heresia confessar que estava de má-vontade com o grande Martin Scorsese, mas a verdade é que o cineasta genial de clássicos como Touro Indomável e Taxi Driver vinha deixando a desejar em sua filmografia recente e, na minha opinião, não fazia um filme realmente memorável desde Os Bons Companheiros (1990). Para complicar, sua simbiose com Leonardo DiCaprio não fora muito produtiva nas duas tentativas anteriores, Gangues de Nova Iorque (2002) e O Aviador (2004). Embora os filmes tenham obtido várias indicações ao Oscar, parecia evidente que isso acontecera mais como um reconhecimento à importância de Scorsese para a sétima arte do que por mérito destes dois filmes apenas medianos. Mas a grata surpresa foi descobrir que finalmente Scorsese havia se reencontrado não apenas com a máfia mas também com o melhor de seu cinema.

Os Infiltrados marcou o retorno do Martin Scorsese do qual os fãs andavam meio órfãos. No longo prólogo de quase vinte minutos, estabelece-se a base de toda a trama ao conhecermos os personagens espelhados Colin Sullivan e Billy Costigan. Colin, ainda garoto, foi apadrinhado por Frank Costello, chefão da máfia irlandesa de Boston. Sob sua orientação, o garoto inteligente estudou e tornou-se um policial de ficha impecável. Já Billy, um tira cheio de parentes criminosos e com um histórico nada recomendável, é praticamente obrigado pelos superiores a se infiltrar na gangue de Costello. Enquanto Colin deve antecipar para Costello os movimentos da polícia, Billy deve conseguir provas para que consigam prendê-lo. Desempenhando funções inversamente proporcionais, os dois são espertos e determinados. Mas a pressão aumenta a cada dia conforme as mentiras se acumulam e o cerco se estreita, e tanto a máfia quanto a polícia chegam à mesma conclusão: há um espião entre eles. Resta saber qual organização será mais rápida em desmascarar o infiltrado.

A trama cria tensão e suspense numa estrutura onde o espectador sabe tudo o que ocorre, ao contrário dos personagens. Abordagem estabelecida logo no começo do filme, quando Colin e Billy se cruzam sem que um note o outro. A partir daí, o jogo de gato e rato entre os dois só aumenta e o espectador pressente que as identidades duplas não se sustentarão por muito tempo. O roteiro arrojado de William Monahan é baseado em um filme realizado em Hong Kong em 2002, Conflitos Internos (Mou Gaan Dou), e transpõe a guerra entre policiais e criminosos de Hong Kong para as ruas de Boston com tanta propriedade que é difícil crer tratar-se de uma refilmagem. A primeira coisa que chama a atenção no filme é a fluência e malícia dos diálogos, que soam incrivelmente verdadeiros e diabolicamente inteligentes. Poucas vezes se ouviram conversas repletas de piadas sujas, frases cruéis e tiradas irônicas soarem tão fascinantes. Cada fala transforma os maiores xingamentos em pura poesia na boca dos atores.

A direção precisa e firme nivela por cima um elenco que mistura os veteranos Jack Nicholson, Martin Sheen, Ray Winstone e Alec Baldwin às estrelas mais jovens Leonardo DiCaprio, Matt Damon e Mark Wahlberg. De todos, quem chama mais atenção é Leonardo DiCaprio, irretocável na pele de Billy Costigan. Os Infiltrados venceu quatro dos cinco Oscars a que concorreu: melhor filme, direção, roteiro adaptado e montagem - apenas a indicação de Mark Wahlberg a melhor ator coadjuvante não foi convertida em prêmio. O curioso é que uma estranha falha de continuidade, a única num filme de resto perfeito, pareça ter sido ocasionada justamente por um tropeço da montagem. A psicóloga Madolyn muda-se para a casa de Colin de mala e cuia e, numa cena posterior, vemos a moça ainda preparando a mudança, falta de cronologia ressaltada ainda mais pelo fato dela encaixotar um quadro que já fora levado para a nova casa na outra cena.

Mas, detalhismos à parte, o certo é que Os Infiltrados é não apenas um retorno de Martin Scorsese aos bons tempos como também a celebração de uma bela carreira com seu primeiro Oscar de melhor direção. A Academia estava lhe devendo essa, e teve uma ótima oportunidade de saldar a dívida. Que seja o talismã de uma nova e melhor fase para o grande cineasta.

3 comentários:

  1. Erika,

    por acaso conhece CONVERSA COM MEU JARDINEIRO? Que me diz? É um dos filmes mais bonitos que vi ultimamente e gostaria de ve-la falando sobre ele.

    Sugestão de leitor.

    Abraços.

    Adalberto.

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  2. Não, Adalberto, não assisti a esse filme (ainda), embora tenha ouvido sempre muitos elogios.

    Mas sugestão anotada, de qualquer modo.

    Abs,
    Erika

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  3. Um dos melhores filmes do Scorsese, a meu gosto de sua obra. Um suspense bem conduzido e também um filme de interpretações.

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