domingo, 6 de dezembro de 2009

Crepúsculo dos Deuses


A sonorização do cinema, a partir de 1928, trouxe um indesejado efeito colateral: muitos astros do cinema mudo não se adaptaram à novidade que veio para ficar. Seja pela infelicidade de ter uma voz desagradável, seja pela dificuldade em lidar com o equipamento técnico (os microfones eram escondidos no cenário e o ator tinha que ficar atento para falar na direção certa). A transição para a sétima arte tal como a conhecemos hoje já foi tema de alguns filmes, sendo o mais bem-humorado deles o delicioso Cantando na Chuva. Mas nenhum longa foi tão fundo no drama das estrelas aposentadas contra a vontade quanto Crepúsculo dos Deuses, obra-prima de Billy Wilder. Mais famoso por suas comédias, o cineasta conta nesse filme de 1950 a sombria história de Norma Desmond, grande dama do cinema mudo que enlouquece em seu desespero e abandono.

O início da trama é inusitado: policiais chegam para verificar uma denúncia sobre tiros numa mansão da Sunset Boulevard (título original do filme e endereço chique em Hollywood). Chegando lá, encontram um cadáver boiando na piscina. A partir desse ponto, o próprio morto – Joe Gills, um jovem roteirista em dificuldades financeiras – começa a narrar sua história em off. O filme retrocede no tempo, até o dia de seu fatídico encontro com Norma Desmond. Ela foi uma grande estrela do cinema mudo, que vive presa aos dias de fama de outrora como uma forma de negar o ostracismo que vive na atualidade. Sua única companhia é o mordomo Max, que lhe escreve em segredo cartas de fãs imaginários que clamam por ela. Norma contrata Joe para ajeitar um roteiro que vem escrevendo e que seria sua volta triunfal às telas. O detalhe é que a cinquentona pretende fazer o papel de Salomé e ser dirigida por ninguém menos que Cecil B. de Mille. Gills sabe que o roteiro é uma bobagem, mas como Norma é riquíssima, entra no jogo pelo dinheiro. Logo percebe que também ele é objeto de desejo das ambições da diva.

De início confortável na situação, Joe começa a ficar preocupado ao perceber não apenas que está se tornando prisioneiro de Norma como também o quanto ela está desequilibrada. E as brigas violentas, cenas de ciúme e chantagens emocionais só pioram à medida que ele começa a se interessar por uma jovem aspirante a roteirista. Dividido entre a vida mansa e a necessidade de reconquistar a liberdade, Joe tem dificuldade em tomar uma decisão e sua inconstância ajuda a alimentar os delírios de Norma.


Gloria Swanson, ela própria uma estrela do cinema mudo, interpreta Norma Desmond. O que torna a história tão cruel é o fato da decadência de Norma parecer muito próxima do destino de muitas grandes estrelas do cinema mudo, que acabaram por enterrar suas carreiras com ele. Felizmente, não se tem notícia de nenhuma que tenha chegado a extremos de loucura e assassinato como a personagem. E o trabalho de Gloria é impressionante, ao encarnar uma mulher que vivia representando, com ares de grande dama, em sua vida diária. Com expressões faciais exageradas, olhos arregalados ou coquetice pouco condizente para uma mulher de meia-idade, Gloria Swanson reproduz em Norma Desmond todo um estilo dramático característico das fitas mudas. William Holden, em atuação bogartiana (sóbria e sarcástica), faz ótimo contraste com a delirante Swanson. Outro atrativo no elenco é a participação de Cecil B. De Mille como ele mesmo.

O clímax da história já é conhecido desde a cena inicial, uma outra ousadia do mestre Billy Wilder para a época. Desde o princípio, sabemos que Joe pagará com a vida por sua ambição. Dizem, inclusive, que a primeira idéia de Wilder era colocar o personagem contando suas agruras para os outros mortos no necrotério, mas os executivos do estúdio não permitiram que o cineasta fosse tão longe. Outro ponto alto são os diálogos simplesmente brilhantes, como o que ocorre quando Norma e Joe se conhecem. Ele a reconhece e diz “Você é Norma Desmond. Você trabalhava em filmes mudos. Você era grande!” e ela, orgulhosa, responde “Eu sou grande. Os filmes é que ficaram menores.” Ou a célebre frase final da personagem, quando, no auge da loucura, crê que os policiais que chegam à sua casa pra prendê-la são da produção de Cecil B. de Mille e que as câmeras dos paparazzi são câmeras de cinema: “Sr. de Mille, estou pronta para o meu close-up”.

Por esses e muitos outros motivos, Crepúsculo dos Deuses é mais que um excelente filme. É um clássico absoluto, uma obra de referência que qualquer um que se julgue cinéfilo precisa ver e rever muitas vezes. Curiosidade: O longa perdeu o Oscar de melhor filme para A Malvada, outro clássico que enfoca a trajetória de uma atriz, sendo que esta do teatro.

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