quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Do Começo ao Fim


Vivemos tempos estranhos, com uma ilusória sensação de liberdade e liberalidade extremas. Somos todos modernos, descolados, sem grilos. Mas alguns tabus ainda nos levam de volta ao obscurantismo da Idade Média. Outro dia passou um especial sobre Cazuza na TV. Foi a senha para que no dia seguinte proliferassem na rede mensagens atacando o artista, que morreu há quase 20 anos e ainda incomoda os arautos da moralidade. É espantoso o quanto a vida privada das pessoas interessa quem não tem nada a ver com isso.

Faço esse prólogo para melhor exaltar a dimensão da coragem do cineasta Aluizio Abranches, que em seu novo filme toca em não apenas um, mas dois temas polêmicos: homossexualismo e incesto. E mais: não apenas os expõe juntos, como o faz sem nenhum juízo de valor. Do Começo ao Fim simplesmente trata o relacionamento amoroso entre dois meio-irmãos como qualquer outro. Sem conflito moral, sem drama, nem culpa cristã. Ou melhor, apresenta o amor entre os personagens como algo ideal, tangível, puro. Daí acusarem o filme de “não ir fundo na ferida”, como se o tema só fosse justificável quando abordado pelo viés do preconceito social ou da violência.

Francisco tem seis anos quando nasce Tomás, filho de sua mãe Julieta com seu padrasto Alexandre. Desde cedo, Julieta percebe que os filhos são demasiadamente próximos, um relacionamento íntimo demais até para dois irmãos. Mas o que fazer? São duas crianças inocentes. Francisco e Tomás não fazem nada sem a companhia do outro, vivem trocando carinhos e cumplicidade e chegam ao ponto de dormir abraçados. O afeto intenso evolui para relacionamento íntimo somente depois que ambos são adultos e tem suas próprias vidas.

Com a deslumbrante fotografia do suíço Ueli Steiger e a trilha sonora belíssima de André Abujamra, Do Começo ao Fim fala de um universo particular onde tudo vale a pena. O único senão fica por conta de alguns diálogos exageradamente literários, que soam artificiais quando falados por duas crianças – mesmo considerando a atmosfera onírica do filme. Do elenco, destacam-se os ótimos trabalhos de Julia Lemmertz e Fábio Assunção como os pais que se preocupam, mas conseguem deixar que o respeito e afeto pelos filhos fale sempre mais alto.


Aluizio Abranches declarou que o filme “conta a história de um amor incondicional como uma possibilidade, como um contraponto para um mundo cheio de violência, medo e intolerância”. Portanto, utopia ou não, o fato é que a história não enfoca preconceitos, dificuldades nem barreiras a serem superadas. E com essa abordagem sem sobressaltos, Abranches nos faz pensar. Sim, o incesto é condenado de acordo com as regras da sociedade em que vivemos. Mas isso não necessariamente significa que estejamos certos enquanto os protagonistas da história estão errados. No mundo de Francisco e Tomás, o incesto é tão-somente um prolongamento do amor que eles sempre sentiram um pelo outro. Como se fosse um conto de fadas pelo avesso. O que, aliás, remete a uma das falas mais significativas do roteiro: “Para entender nosso amor, seria preciso virar o mundo de cabeça para baixo”.

2 comentários:

  1. Belo filme, que consegue extrair verdade e até pureza de tama tão complexo.

    Ver afeto tão genuíno e vigoroso em nossos dias turbulentos é sempre bom.

    E a trilha sonora é incrível.

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  2. FILME RASO, BOBO E MUITO SUPERFICIAL.


    Achei que faltou naturalidade, tudo soa muito falso - principalmente o elenco mirim, muito mal conduzido e artificiais.

    Faltou argumento, polemica, tudo é muito irreal.

    Uma pena, pois a premissa tinha tudo pra ser mais...interessante. Ainda que ousado e tal, o filme não dá pra descer.

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