quinta-feira, 18 de março de 2010

Um Homem Sério


Os irmãos Coen são insanos. Cada vez mais me convenço disso, e cada vez mais aprecio o cinema sem nenhum respeito às regras que eles fazem. Pois só mesmo esses loucos incríveis poderiam misturar filosofia, matemática, doutrina judaica e teoria do caos numa surreal comédia de humor negro. E não deixa de ser interessante que a filosofia que permeia Um Homem Sério é expressa, a certa altura, por um personagem que aparece apenas naquela cena e diz ao protagonista que ele deve “deixar-se levar pelo mistério”. Curiosamente, esta é uma das respostas mais diretas que o pobre Larry Gopnik consegue ao longo do filme.

Larry Gopnik é um professor de matemática judeu que vê sua vida desmoronar: primeiro a esposa anuncia que quer se separar porque está namorando um vizinho e exige que ele saia de casa. Seu irmão Arthur, desempregado e viciado em jogo, vive no seu sofá há três anos e não dá sinais de procurar emprego nem se mudar. Larry também descobre que o posto efetivo que almeja na universidade está ameaçado por cartas anônimas que denigrem sua imagem. Sem contar o aluno coreano que, insatisfeito com a nota, insiste em suborná-lo. Com os filhos, as coisas também não estão nada bem: Danny está prestes a comemorar o bar mitzvah, mas só quer saber de fumar maconha e escutar rock; a filha mais velha, Sarah, quer juntar dinheiro para uma plástica no nariz e economiza pequenas quantias que rouba dos pais.

Atropelado pela espiral de acontecimentos, Larry busca aconselhamento espiritual com os rabinos de sua sinagoga. Mas estes não apenas nada ajudam como ainda confundem sua cabeça com parábolas esquisitas, conselhos vagos e tradições obscuras. Chama atenção que antes do filme propriamente dito, haja um prólogo contando uma estranha história de um casal judeu que se depara com um dybbuk (espírito maligno da tradição judaica) na Polônia do início do século 20. O que isso tem a ver com o resto do filme? Nada, assim como as digressões dos sábios que Larry procura. Todo o filme é repleto de pistas falsas e acontecimentos que parecem interligados, mas não se conectam (como os dois acidentes de carro, por exemplo). O roteiro também brinca com algumas inversões de expectativa e joga inúmeras referências truncadas, como, por exemplo, o hábito de Arthur se trancar o dia inteiro no banheiro, mas não para se masturbar e sim para sugar um cisto com uma máquina com tubos de borracha. Pelo menos este parece ser o caso; certeza nunca se tem sobre nada neste longa.


Vale destacar que a trama se passa em 1967, em uma comunidade judaica nos subúrbios de Minneapolis. Foi nesse tipo de ambiente que Joel e Ethan Coen, eles próprios judeus, cresceram. Neste filme personalíssimo, os Coen dão um descanso ao caipira americano do meio-oeste – tipo constantemente ridicularizado pela dupla – para tirar um sarro de suas próprias origens e os chamados homens sérios e respeitáveis da comunidade. Larry é ele próprio um homem sério, pautado pela ordem e pela matemática, cumpridor de seus deveres. Portanto, não aceita que o caos esteja sugando sua ordeira vida pelo ralo.

Michael Stuhlbarg, ator com prestigiada carreira teatral que já foi indicado algumas vezes ao Tony, dá um show de interpretação neste seu primeiro papel principal na sétima arte. Seu Larry é confuso, reprimido, contido, com uma vida interior que grita a cada close em seus olhos espantados por trás dos óculos fundo-de-garrafa. Não gosto nem de lembrar que ele não foi indicado ao Oscar por esse papel, ainda mais considerando que Jeremy Renner foi. O elenco coadjuvante é igualmente competente, com destaque para Richard Kind como o abestado Arthur e Aaron Wolff como Danny – a cena do garoto no bar mitzvah é hilária.

Ao final do longa, um pequeno conflito pode apresentar-se na mente do espectador: ao criticar a ansiedade das pessoas em buscar respostas lógicas e, portanto, não oferecer nenhuma, os Coen estariam usando a filosofia proposta pelo longa para não precisar pensar em um desfecho? É possível. Mas isso importa? Assim como eles, apenas lanço a pergunta. Cada um decide que resposta melhor lhe serve.

A partir de amanhã nos cinemas.

Um comentário:

  1. Erika, é um dos melhores do ano, junto de Tudo Pode dar Certo, Ilha do Medo e Sede de Sangue. Os Coen são fodas mesmo.

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