quinta-feira, 1 de abril de 2010

Sede de Sangue


É bem verdade que o assunto vampirismo anda enchendo as medidas ultimamente por conta da superexposição causada pela febre teen Crepúsculo e por seriados como True Blood e The Vampire Diaries. Mas mesmo o mais batido dos modismos pode eventualmente apresentar novidades, como ocorreu no ano passado graças ao longa sueco Deixa Ela Entrar. Neste começo de 2010, outra produção de 2009 com visão diferenciada sobre o tema chega às telonas brasileiras: Sede de Sangue, incursão do visceral cineasta coreano Park Chan-Wook pelo gênero do momento.

Sang-hyeon é um padre cheio de amor no coração e ansioso por fazer o bem para o maior número de pessoas possível. Insatisfeito com sua atual função de dar extrema-unção a moribundos, ele contraria o conselho de seus superiores e se oferece como voluntário numa obscura pesquisa sobre uma vacina para um vírus letal que causa feridas por todo o corpo e leva a vítima a verter sangue até a morte. Mesmo ciente dos altos riscos de servir de cobaia, o bom padre quer sacrificar-se pelo bem maior. Acontece o esperado: a vacina é ineficaz e ele morre na mesa de cirurgia após receber uma transfusão de sangue. Mas volta à vida segundos depois e os sintomas começam a regredir, o que faz com que passem a venerá-lo como santo. Sang-hyeon, na verdade, havia recebido sangue de vampiro. Começa aí um dos seus dilemas, já que a doença ainda está em seu organismo e o único modo dele não voltar a morrer é bebendo sangue humano. Além disso, o pacato sacerdote ainda precisa debater-se com um súbito despertar dos seus desejos sexuais por uma amiga de infância que agora sofre tiranizada pela sogra e pelo marido.


Sede de sangue é um filme estranho e de ritmo um pouco irregular, mas repleto de grandes sacadas em sua abordagem. A primeira coisa a chamar atenção é o modo como o vampirismo é tratado: trata-se muito mais de uma doença física do que um dom sobrenatural. O protagonista não tem o poder de hipnotizar, nem se vê dotado de um charme especial após tornar-se vampiro. E o diretor ainda faz questão de mostrá-lo refletido em um espelho numa cena. Apesar dele de fato desenvolver uma agilidade e força acima de suas capacidades, continua essencialmente humano. E um humano doente. Também não existem as funcionais presas pontudas na boca, e é necessário obter sangue através de mordidas ou cortes.

Também é interessante notar que a sede que consome Sang-hyeon não é apenas de sangue, mas – como ele próprio define – de prazer de um modo geral. Talvez por isso o título internacional do longa seja simplesmente Thirst (sede). Carnal, fetichista e cheio de bizarrice, como, aliás, já sugere o seu cartaz, Sede de Sangue apresenta uma trama mais próxima universo do film noir do que do terror propriamente dito. Podemos reconhecer no roteiro vários elementos clássicos do noir, como o homem bom arrastado para atitudes condenáveis por causa de uma paixão maldita. É claro que o grande diferencial do filme é apresentar essa trama essencialmente policial banhada em litros e litros de sangue, e ainda misturar essa estética gore a um estilo de humor grotesco que os coreanos apreciam como ninguém. Também é bacana que os vampiros do filme estejam bem longe dos dois extremos mais usados no cinema, ou seja, não são criaturas assustadoras nem sedutoras, apenas seres esfomeados explodindo numa sexualidade tosca e desajeitada.

O único problema é que essa salada de estilos, apesar de ousada e original, tende a enfraquecer o efeito geral do filme, levando-o perigosamente para o terreno do trash. Principalmente porque a primeira metade do longa mantém a coisa num patamar muito mais contido do que a segunda, dando ao espectador a impressão de que Chan-Wook estava tentando fazer um filme mais existencial e desistiu no meio do caminho. Quando o desfecho poético recoloca a trama nos trilhos da sobriedade, pode ser que o espectador já tenha desistido de levar o filme a sério. Mas uma coisa é certa: qualquer que seja a impressão acerca do filme, o sentimento sobre ele não será de indiferença. Sede de Sangue não pode ser acusado de ser mais do mesmo e só isso, ou seja, sacudir as confortáveis estruturas sobre as quais repousam atualmente as histórias de vampiro, já é um tremendo mérito.

Segundo a Paris Filmes, distribuidora do longa, Sede de Sangue tem estreia programada para esta sexta. Estranhamente, o filme não figura nos lançamentos da semana e sim como pré-estreia no sábado (sessão de meia-noite no Arteplex). Será que acharam que seria de mau gosto lançar o filme em meio à semana santa?

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