quinta-feira, 29 de março de 2012

A Novela das 8


Que a telenovela, ao lado do futebol, é o grande passatempo popular do brasileiro ninguém duvida. Algumas novelas foram especialmente emblemáticas, vide que uma recente reprise de Vale Tudo na TV a cabo fez com que as trapaças de Maria de Fatima e a vilania de Odette Roitman voltassem a figurar no topo dos assuntos mais comentados dentre os telespectadores. Outra novela que marcou época foi Dancin’ Days, até hoje lembrada por sua trilha sonora exuberante, que acompanhava a explosão da disco music, influenciando sensivelmente a moda e o comportamento dos brasileiros. O ano era 1978 e o grande paradoxo é que o mundo chique e glamoroso mostrado na TV tivesse lugar enquanto o país ainda vivia uma pesada ditadura militar. É esse paralelo entre as lutas políticas e o deslumbre dos que preferiam acreditar em um país de ficção que Odilon Rocha traça em seu filme.

No filme, Vanessa Giácomo é Amanda, uma prostituta que é totalmente obcecada por Dancin’ Days e tem como grande sonho ir para o Rio de Janeiro e conhecer a boate mostrada na novela. Claudia Ohana é sua empregada Dora, uma mulher calada e sofrida que acompanha avidamente o noticiário político. O jogo de aparências vem abaixo quando Dora reconhece em um dos clientes de Amanda o homem que a torturou anos antes, provocando uma drástica reação que faz com que ambas sejam obrigadas a fugir de São Paulo para o Rio. Enquanto a inconsequente Amanda parece não entender a gravidade do que está acontecendo e encara tudo como uma grande aventura, Dora sabe que é chegada a hora de sair do anonimato e encarar seu passado.

O filme, que teve sua première no Festival do Rio do ano passado, saiu do evento com o Troféu Redentor de melhor roteiro. Em sua estreia na função, o diretor Odilon Rocha realiza um filme que tem como ponto alto justamente a parte, digamos, mais alienada da trama. É na recriação do estilo Dancin’ Days, não a novela, mas a alegria desenfreada das pistas de dança e o visual exagerado com cabelões black power, roupas de cetim e meias de lurex, que Rocha mostra mais desenvoltura, enquanto os trechos que enfocam a repressão política ainda reinante de uma ditadura que teimava em não morrer parecem sempre carecer de um melhor desenvolvimento. No final das contas, o conflito de identidade do adolescente Caio ou momento de decisão do diplomata João Paulo capturam muito mais a atenção e sensibilidade do espectador do que o discurso político de alguns personagens ou as cenas que deveriam ser mais tensas, o que equivale a dizer que A Novela das 8 é mais forte em seu aspecto humano. Também alguns pontos da equação cronologia / idade dos personagens / aspecto físico dos atores podem confundir, mas isso não chega a atrapalhar o bom andamento da trama.

Claudia Ohana e Vanessa Giácomo se destacam no elenco, cabendo a Claudia a maior sustentação dramática do filme e a Vanessa o alívio cômico – não deixem de reparar na homenagem a Sonia Braga em um dos figurinos de Vanessa. Por outro lado, alguns bons atores como Alexandre Nero e Matheus Solano parecem um pouco prejudicados por personagens que não chegaram a ser totalmente delineados. Noves fora, A Novela das 8 é um bom filme, que presta uma homenagem interessante à paixão do povo brasileiro por esse produto televisivo tão criticado por uns e amado por outros, mas visto pela grande maioria dos brasileiros. Sexta nos cinemas.

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