quarta-feira, 28 de março de 2012

Heleno


A incrível história de Heleno de Freitas, talvez o primeiro grande ídolo do futebol a amargar uma trajetória tão vertiginosa em termos de ascensão e queda, constitui um material tão rico e cinematográfico que chega a causar estranheza que sua odisseia tenha levado tanto tempo para ganhar as telas. Felizmente, o diretor José Henrique Fonseca corrigiu essa lacuna com este belo filme, que faz uma homenagem à altura do mito botafoguense.

Heleno de Freitas foi o grande ídolo do Botafogo até o surgimento de Garrincha, além de um dos maiores artilheiros do time. Em 1948, seu passe foi vendido ao Boca Juniors em uma transação milionária e até então inédita no futebol brasileiro. A temporada no exterior, exilado do seu time do coração, provavelmente acelerou a decadência que viria cedo ou tarde por conta da sífilis que o corroía há anos sem que ele aceitasse se tratar. Depois de uma passagem pelo Vasco, Heleno encerrou a carreira no América, onde atuou em uma única partida, conseguindo, ao menos, realizar seu grande sonho de jogar no Maracanã – vale lembrar que o ídolo foi expulso ainda no primeiro tempo.


Com uma luxuosa fotografia em preto e branco e uma reconstituição de época primorosa, o filme mostra como o belo, orgulhoso e arrogante jogador de futebol aos poucos se deteriora física e mentalmente, passando de ídolo aclamado pelas multidões e desejado pelas mulheres a uma personalidade problemática que ninguém conseguia ter por perto por muito tempo. O que se vê nas telas é que, embora Heleno fosse de fato genioso e intratável com seus colegas, ele era também um jogador extremamente apaixonado por seu time, capaz de dar o sangue por ele. Emblemático seu grito de desabafo: “eu não sou jogador de futebol, eu sou jogador do Botafogo!” Enquanto isso, ele era tratado pelo time e seus cartolas como uma mera peça no tabuleiro, um trunfo a ser usado, trocado ou vendido, conforme a ocasião.

O roteiro – também escrito por José Henrique Fonseca em parceria com Felipe Bragança e Fernando Castets – se alterna entre os tempos áureos, quando o emergente Heleno morava em um quarto no Copacabana Palace e dividia seu tempo livre entre a boemia e as belas mulheres, e seu triste fim de vida, passando os seus seis últimos anos de vida internado em um hospital psiquiátrico em Barbacena e já enlouquecido pela sífilis que o mataria aos 39 anos. A fotografia de Walter Carvalho, assumidamente inspirada na de Touro Indomável, ajuda a situar o espectador no clima de glamour e sofisticação do Rio de Janeiro dos anos 40 e 50. A direção de José Henrique Fonseca é precisa, equilibrando com sabedoria as muitas facetas da história sem se perder entre as muitas possibilidades. Fonseca optou por realizar um filme sobre a obsessão e não necessariamente sobre a paixão pelo futebol, tornando-o, assim, muito mais amplo do que uma mera biografia.


E por último – mas nem por isso menos importante – é preciso falar sobre a atuação arrasadora de Rodrigo Santoro como Heleno. Bom ator, com papéis anteriores de destaque no cinema nacional (como em Bicho de Sete Cabeças e Abril Despedaçado), Rodrigo atinge, com este papel, o ápice de sua carreira. E olhem que o que impressiona não é somente a sua incorporação do Heleno louco e decadente; neste segmento do filme, mesmo sendo o mais pungente, existe ainda a ajuda da caracterização. Já o Heleno jovem, arrogante e esplendoroso, sem artifícios técnicos, representa um desafio maior por depender única e exclusivamente do ator transmitir toda a paixão de uma figura que viveu no limite entre o gênio e o megalomaníaco, entre o bon-vivant e o cafajeste, entre o anjo e o demônio. Rodrigo, com fúria e sangue no olhar, nos leva para dentro do torvelinho de sentimentos do polêmico Heleno. Não é exagero nenhum dizer que este é um trabalho para indicação ao Oscar – é claro que as condições para isso tem mais a ver com o poder de penetração do longa no mercado americano, mas mérito e força para isso o trabalho de Santoro tem de sobra.

Desde já, um dos grandes filmes deste ano. Sexta nos cinemas.


Um comentário: