sexta-feira, 30 de março de 2012

Um Método Perigoso


O filme aborda a relação de Sigmund Freud com seu principal discípulo – e posterior opositor – Carl Gustav Jung. No início do século XX, Jung inicia a colocar em prática um novo método que seu mentor, Freud, ainda mantinha na teoria: a cura através da fala. A primeira paciente a ser tratada desse modo é Sabina Spielrein, uma jovem russa atormentada por severas perturbações e crises de histeria. Paralelamente, é enfocada a aproximação entre Freud e Jung e também o envolvimento deste último com a paciente, rompendo as barreiras éticas e trazendo um sério dano à sua reputação. Sabina, curada, estuda medicina e vem a tornar-se a primeira psicanalista do sexo feminino. Ao mesmo tempo, Jung começa a questionar os dogmas de Freud e a trilhar um caminho próprio, que irá não apenas afastá-lo do antigo mestre, mas também criar uma disputa que levará ao rompimento definitivo da amizade. Selecionado para a competição do Festival de Veneza 2011.

A relação entre o pai da psicanálise e aquele que foi seu maior admirador e, posteriormente, opositor por si só já costuma gerar debates apaixonados, por ter criado uma divisão definitiva entre o caminho a ser seguido por todos os profissionais que vieram desde então. O inteligente roteiro de Christopher Hampton – vencedor do Oscar por Ligações Perigosas e indicado por Desejo e Reparação – analisa com propriedade as ideias, modo de vida e personalidades conflitantes desses dois grandes gênios (deixando claro que o rompimento viria cedo ou tarde, mesmo sem um catalisador) de um modo abrangente e, ao mesmo tempo, simples, sem deixar de fora o espectador que não possua um conhecimento prévio da história. O longa consegue, ainda, não tomar partido entre a rigidez moral e científica de Freud e a busca mística e os caminhos pouco ortodoxos de Jung.


Um Método Perigoso também mostra com despudor o perturbador caso de Sabina e como o jogo de aparências da sociedade europeia do início de século XX poderia levar à loucura uma pessoa com desejos um pouco fora dos padrões ditos normais. E a verdade incontestável é que, se por um lado Jung foi tremendamente antiético e ultrapassou todos os limites com a paciente, por outro ele de fato a curou. Também podemos notar um interessante paradoxo entre a recuperação progressiva de Sabina e uma certa decadência emocional da parte de Jung, cheio de conflitos mal-resolvidos em relação a Freud. O filme adota o ponto de vista de que o suíço, embora tenha tomado um rumo profissional diverso, ainda não estava pronto para o rompimento emocional que isso acarretou. E não se pode deixar de sentir a ironia no fato da frase de despedida entre os dois ser uma fala de Hamlet (o resto é silêncio), personagem com uma relação tumultuada com o pai. É nos pequenos detalhes que fica mais evidente ainda a brilhante direção de David Cronenberg, com seu equilíbrio delicado entre ousadia e bom gosto. Considerando, ainda, o destaque que Cronenberg costuma dar às pulsões sexuais em seus trabalhos, não consigo pensar em escolha melhor para estar à frente deste projeto. 

O elenco maravilhoso só ajuda a tornar o filme ainda mais fascinante. O alemão Michael Fassbender, o ator europeu mais em ascensão do momento, compõe um Jung apaixonado pela psiquiatria e eternamente assombrado por seus desejos. E embora o filme seja do princípio ao fim de Fassbender, Viggo Mortensen é preciso como Freud, fazendo o contraponto perfeito sempre que necessário. Com sua característica barba e seu eterno charuto, o pai da psicanálise é o responsável pela melhores falas de um filme repleto delas, como por exemplo, “nunca confie em um ariano”, petardo que destila sobre Jung após decepcionar-se com ele. Keira Knightley também está surpreendentemente bem, sendo protagonista dos aspectos mais polêmicos do longa. O filme ainda conta com a participação luxuosa de Vincent Cassel como uma sedutora mistura de médico e de louco que termina por se mostrar uma influência perniciosa sobre Jung.


Trata-se de mais uma obra-prima de um cineasta que vem nos acostumando mal: David Cronenberg já possui uma longa e interessante filmografia, mas nos últimos anos vem apresentando filmes cada vez mais maduros e, ao mesmo tempo, tem mantido a ousadia e toque de bizarrice que são suas marcas constantes. E, coincidência ou não, seus três últimos e mais bem-acabados filmes – Marcas da Violência, Senhores do Crime e este – coincidem com a colaboração de Viggo Mortensen. Torçamos para que esta parceria seja mais duradoura do que a de Jung com Freud.

Um Método Perigoso é aquele tipo de produção que conta uma história real tão rica e fascinante que parece fictícia. Elenco perfeito, direção precisa, abordagem ousada, reconstituição de época impecável, roteiro inteligente, e tudo isso a serviço de narrar uma história que vem atraindo interesse e despertando paixões há quase um século. O que mais se pode esperar de um filme?

Nenhum comentário:

Postar um comentário