domingo, 4 de março de 2012

O Que Você Gostaria Que Ficasse



Estreou na última sexta na Sala Multiuso do SESC Copacabana este original e comovente espetáculo. Descrito em seu programa como uma “experiência-performance-happening”, O Que Você Gostaria Que Ficasse propõe uma reflexão a partir da seguinte hipótese: e se, de repente, todas as pessoas do mundo simplesmente desaparecessem? Não importa se por uma epidemia, desastre natural ou qualquer outro motivo, o ponto de partida do espetáculo não são as razões e sim imaginar o que aconteceria a partir do fato. Por quanto tempo as luzes elétricas continuariam ligadas? Quantos dias nossos animais de estimação sobreviveriam trancados em nossas casas? Quanto tempo até que todos os papéis, CDs, filmagens, enfim, tudo o que registra nossa história desaparecesse sob a ação de fungos e bactérias? E se cada um pudesse escolher algo para ficar? O que você escolheria? Um quadro, um livro, um sorvete, um momento especial?

O Que Você Gostaria Que Ficasse nasceu a partir de uma pesquisa do grupo teatral Brecha Coletiva sobre o livro O Mundo Sem Nós, de Alan Weisman. Nele, o autor imagina, passo a passo, o processo de desaparecimento da história da humanidade, já que nenhum dos meios de preservação existentes perduraria para sempre sem que o homem estivesse presente para monitorar o seu funcionamento. Segundo o autor, bastariam duzentos anos para que desaparecesse qualquer vestígio de expressão artística. O espetáculo, embora seja fruto da pesquisa coletiva, é concebido e dirigido pelo integrante Miguel Thiré. Este é o terceiro trabalho de Miguel como dramaturgo. Os anteriores foram Superiores (indicado ao Prêmio Shell por sua pesquisa de linguagem) e 2 p/ Viagem.

Antes de tudo, é preciso esclarecer que o espetáculo, apesar de seu tema filosófico, é calcado num estilo de encenação extremamente dinâmico, interagindo com o público das mais diversas formas. Logo ao entrar no espaço cênico, o espectador perceberá que não há uma divisão clara entre plateia e elenco. Não apenas em termos de cenário, mas de interação mesmo. Pode ser que algum ator venha até você e pergunte o nome do seu melhor amigo ou sobre alguma canção que lhe traga boas recordações e depois você veja aquela sua resposta integrada à história de Maria (que em outra noite certamente terá outro nome). Através da história dessa personagem fictícia, criada a partir de fragmentos das histórias reais dos presentes, olhamos para dentro de nós mesmos e nos reconhecemos em momentos especiais como o primeiro beijo, uma crise profissional, a morte de uma pessoa amada.

O tempo todo, os “espect-atores” são incentivados (não obrigados, que fique bem claro, mas bastante estimulados) a contribuir das mais diversas formas. Com um desenho, uma música, uma pequena intervenção, desse modo possibilitando que cada um também deixe algo de si naquela noite de encontro e celebração. Aliás, celebração é melhor palavra para definir o que ocorre no espaço cênico, já que a sensação permanente ao longo daquela hora e meia de encontro (não é por acaso que a palavra “espetáculo” acabou substituída pela palavra “encontro”) não é a de lamentar o fim, mas de celebrar o que cada um pode preservar de bom, importante e vital. Impossível deixar de lembrar que tal espírito de celebração também está intimamente ligado ao que o teatro tem de mais essencial, remetendo aos cultos dionisíacos – não por acaso, o vinho foi um elemento muito presente na noite. E o mais interessante nessa proposta do Brecha Coletiva é que, mesmo aqueles que optarem por não interagir, certamente terão contribuído em suas mentes, imaginando sua própria lista de coisas que devem ficar eternizadas no tempo-espaço. Por fim, devemos destacar o carisma, empenho e verdade cênica dos atores Cynthia Reis, Eduardo Cravo, Jarbas Albuquerque, Raquel Alvarenga e Suzana Nascimento, incríveis em nos confundir na difícil arte de apagar as fronteiras entre o que é espontâneo ou ensaiado.

O Que Você Gostaria Que Ficasse fica em cartaz até o dia 25 de março na Sala Multiuso do SESC Copacabana. Sextas e Sábados às 20h e Domingos às 18h. Ingressos a R$20,00, (R$10,00 a meia-entrada e R$5,00 para associados do SESC). Em tempos nos quais o teatro carioca parece dominado pelo riso fácil e descartável, é muito importante que um trabalho deste nível de qualidade – e que prova, de uma vez por todas, que a alegria pode estar associada a algo de mais profundo – seja visto, comentado e, sobretudo, vivenciado. Não fique apenas aqui lendo esse texto, vá e seja parte. E aproveite para deixar lá o que for importante para você. Os deuses do teatro agradecem.


Miguel Thiré (ao centro) com o elenco

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