terça-feira, 13 de março de 2012

Shame


Acredito que a primeira vez que tenhamos ouvido falar de Shame tenha sido por ocasião do Festival de Veneza do ano passado. O filme causou polêmica por suas cenas, deu muito o que falar por abordar sem firulas o tema da compulsão sexual e saiu do evento levando o prêmio Fipresci, além da Copa Volpi de melhor ator para a interpretação arrasadora de Michael Fassbender. O ator repetiu a vitória no British Independent Film Awards, dentre outros, e parecia com seu caminho pavimentado para o Oscar. Para espanto absoluto, não foi sequer indicado, o que só reforça a noção do quão incômodo ainda é o tema em questão, já que só isso explica que uma das mais pungentes atuações do ano tenha sido solenemente ignorada pelas premiações mais conservadoras. 

Shame conta a história de Brandon, um executivo que mora sozinho em Nova Iorque. Bonito, solteiro, bem-sucedido, enfim, o protótipo do vencedor, Brandon na verdade passa seus dias em um círculo de constante agonia. Seu esqueleto no armário é o sexo, ou melhor, a compulsão sexual que, longe de ser uma fonte de prazer, controla sua vida, empurrando-o cada vez mais longe em busca de uma satisfação nunca alcançada. Sua vida de aparências e falsa normalidade é ameaçada quando sua problemática irmã Sissy aparece de surpresa e parece firmemente determinada a se alojar em sua casa.

Muito se tem falado sobre a cena de abertura do filme, e com toda razão, porque ela é perfeita para situar o espectador na abordagem pretendida pelo diretor Steve McQueen. Brandon entra em um trem e imediatamente tem seu olhar – que mais parece um radar – atraído para uma jovem. A moça a princípio corresponde ao seu assédio, mas logo começa a perceber que o modo como Brandon a devora com um olhar frio e despido de qualquer alegria tem qualquer coisa de doentio. A expressão provocante e divertida da garota dá lugar ao medo, atingindo as raias do pânico quando esta praticamente sai correndo do trem em uma estação. Que sequência!


Poucos filmes tratam o tema da compulsão sexual sem resvalar para o thriller e transformar o personagem em um psicopata ou criminoso sexual. Brandon não representa um perigo para a sociedade, apenas para ele mesmo. Tampouco o longa apresenta o sexo como fonte de prazer. As (muitas) relações mostradas na tela não são sensuais e sim doloridas, aflitas, apresentando uma imagem tão triste como costumamos ver associadas a outros vícios. Brandon exala decadência e impotência, exatamente como se fosse um alcoólatra ou um viciado em crack. Com sua interpretação precisa, Michael Fassbender consegue delimitar com clareza o sempre difuso limite entre liberdade sexual e compulsão, quando o sexo serve para aprisionar ao invés de libertar.

O ótimo roteiro escrito por McQueen e Abi Morgan (impressionante ver aqui o nome da mesma roteirista do equivocado A Dama de Ferro) também deixa isso bem claro ao mostrar a dificuldade de Brandon em se relacionar fisicamente com a única mulher por quem ele parece nutrir algum sentimento verdadeiro. Também em relação à irmã ele parece ter algum bloqueio, transformando um simples abraço fraternal em tabu, nunca ficando claro se a dificuldade vem dele separar carinho de toque ou do medo de que sua compulsão não respeite nem mesmo os laços de sangue. De qualquer modo, é um triste paradoxo que alguém tão obcecado por sexo não consiga suportar um toque de afeto.


Shame é o segundo longa-metragem de Steve McQueen (que não tem nenhum parentesco com o ator homônimo). O primeiro, Hunger, também estrelado por Michael Fassbender, foi exibido no Festival do Rio de 2008 e nunca chegou ao circuito comercial.

Sexta nos cinemas. Imperdível. 

2 comentários:

  1. Estou em racionamento de pornografia por conta deste filme. Sério. É bem perturbador... quanto a sequência do começo do filme, concordo com você. É fantástica. Ainda mais por dar suporte para cena final, que deixa aberta para interpretações se ele se curou ou não. Na cena final, ao contrário da do começo, parece que ele encarna uma posição de medo, como se estivesse se tocado que o seu vício chegou ao extremo.

    Esse filme é perturbador.

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  2. "Perturbador" é o melhor termo para definir esse grande filme, Douglas!

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