terça-feira, 9 de junho de 2009

Partidas


As incongruências da tradução que alguns títulos de filmes recebem em território brasileiro já foram assunto de um texto meu. E digo mais, tenho vontade de escrever um livro inteiro sobre o tema. Alguns absurdos se escoram na desculpa do título original ser intraduzível ou não fazer sentido para nós. Mas o que dizer quando uma simples letrinha faz toda diferença? Este é o caso de um erro clássico como O Retorno de Jedi (que deveria ser “do Jedi”, por razões que não é preciso explicar a qualquer um que tenha visto o filme) e também deste belo filme japonês. Por isso, me recuso a nomeá-lo A Partida, como insistem nossos letreiros, e mantenho Partidas, a exemplo da versão em inglês Departures (no original, Okuribito). Para concordar comigo, basta assistir.

Daigo Kobayashi saiu do interior do Japão para tentar o sonho de ser violoncelista em Tóquio. Quando a orquestra na qual toca é dissolvida, ele encontra-se endividado e não vê outra alternativa senão voltar com a esposa Mika à cidade natal. Afinal de contas, lá eles podem viver na casa que foi de sua mãe. Precisando desesperadamente de uma nova ocupação, Daigo se anima quando lê um anúncio no jornal sobre um emprego que paga bem e ajuda pessoas em suas partidas. Pensando tratar-se de uma agência de viagens, só na entrevista ele descobre que sua função seria, na verdade, limpar e preparar cadáveres no ritual que antecede o funeral. Ele acaba aceitando a ocupação sui generis, mas, receoso, esconde o fato de Mika e diz que está trabalhando com eventos. Só que, independentemente dos preconceitos, Daigo logo percebe ter uma vocação nata e descobre a beleza escondida por trás de um trabalho aparentemente bizarro.

Partindo de uma premissa que pode até soar estranha, Partidas traça um belo e sensível retrato de um homem em busca de identidade e que encontra seu lugar na vida através de uma profissão que a sociedade julga indigna. Então, usando não apenas a temática óbvia da discussão sobre vida e morte, o filme ainda aborda assuntos como preconceitos (ou a quebra deles), vocação, honra, relações familiares, sentimentos de fracasso e sucesso. Um dos pontos mais interessantes é o quanto os rituais desempenhados por Daigo são belos de assistir, hipnóticos mesmo. E é imerso nessa beleza extraída de um momento de dor que o personagem se redescobre e encontra sua verdadeira vocação. Prestem atenção na cena em que um cliente agradece emocionado ao fim da cerimônia, dizendo que nunca viu sua esposa tão linda.


Aos poucos, Daigo entende que seu sonho de infância, embora vistoso e politicamente correto, o aprisionava por não mais traduzir seus anseios reais. Como ele mesmo admite, seu talento para a música era limitado. Aceitar essa verdade e enxergar que o desejo que o movia até então é, na prática, pouco realista é um belo exemplo de lucidez da parte do personagem. Também chama atenção o modo como a história consegue ser específica e, ao mesmo tempo, ampla. Se, por um lado, o filme mostra rituais e costumes próprios da cultura japonesa, por outro aborda conceitos e valores universais.

Enfim, trata-se de um filme lindamente dirigido por Yojiro Takita, que conta com um roteiro bastante simples em estrutura – porém complexo em termos de filosofia – e um elenco carismático e talentoso que sabe tirar melhor partido de cada cena, com destaque para a ótima química entre Masahiro Motoki e Tsutomo Yamasaki (Daigo e seu chefe Ikuei, respectivamente). Tampouco se pode pode deixar de mencionar a trilha sonora fabulosa de Joe Hisaishi (o mesmo de A Viagem de Chihiro), que agarra a deixa de Daigo ser violoncelista para desfilar os mais belos sons clássicos.

Partidas venceu o Oscar 2009 de melhor filme estrangeiro, desbancando queridinhos como Valsa com Bashir e Entre os Muros da Escola. Uma vitória surpreendente porém muito justa, principalmente pelo fato do longa fugir do padrão pré-estabelecido das produções que costumam “se dar bem” nessa categoria; ou seja, filmes sobre guerra, crianças maltratadas ou ambas as coisas.

Partidas é, desde já, um dos melhores filmes do ano. Simplesmente imperdível.

Nenhum comentário:

Postar um comentário