quinta-feira, 25 de junho de 2009

Festa de Família


Na década de 90, um grupo de cineastas dinamarqueses lançou o movimento Dogma, que exaltava uma maneira de fazer cinema despojada de artifícios. O Dogma 95 pregava dez mandamentos básicos, como o uso de uma única locação, câmera na mão, proibição de luz artificial e trilha sonora que não faça parte da cena, dentre outros. Ou seja, o que se vê na tela deveria ser o mais próximo possível das condições da vida real. Hoje em dia, ninguém mais leva tal radicalismo a sério. Mas certamente um dos frutos mais consistentes da experiência é o longa Festa de Família, de Thomas Vinterberg. Adaptado para o teatro pelo dramaturgo David Eldridge, a peça ganha sua primeira montagem no Brasil pelas mãos do ator e diretor Bruce Gomlevsky.

A trama se passa durante a comemoração dos 60 anos do patriarca de uma família. Christian, o filho mais velho, resolve dar um basta em anos de silêncio e revelar à mesa, diante de toda a família, os abusos sofridos nas mãos do pai quando criança. Abusos esses que teriam sido o motivo pelo qual sua irmã gêmea se suicidara. Seriam verdadeiras suas acusações, ou apenas uma provocação de filho rebelde? E o restante da família, que sabe a respeito? E os outros dois irmãos, também foram molestados? A dubiedade perpassa os presentes, enquanto a refeição é servida em fina louça. O incesto não é o único pecado posto à mesa, também podemos entrever preconceito (social e racial), intolerância e outras perversidades consanguíneas.

Gomlevsky produz, dirige e interpreta o personagem Christian nesta montagem que ocupa o Teatro III do Centro Cultural Banco do Brasil. Ao entrar na sala (que é concebida para se adaptar à proposta cênica vigente), o público tem que tomar uma interessante decisão: sentar-se à mesa junto com os atores ou à volta desta. O fascinante cenário de Bel Lobo é composto por quatro mesas que formam um quadrado. Junto à parede, num patamar acima, são distribuídas cadeiras que formam um quadrado exterior. No espaço deixado no centro das mesas e nas laterais externas, pequenos palcos. As cenas acontecem à mesa e ocasionalmente em um desses outros espaços.

Sempre atraída pelo inusitado, é claro que escolhi um lugar à mesa. E recomendo a quem for assistir à peça que faça o mesmo. É incrível a perspectiva que temos do espetáculo quando visto do mesmo plano dos atores. Tal disposição nos transforma em participantes daquela festa desagradável. Não como alguém no núcleo central, é claro, mas talvez um primo distante que não sabe o que fazer diante da lavação de roupa suja de seus parentes. Uma testemunha constrangida de revelações estarrecedoras. À saída do teatro, uma senhora comentou comigo no elevador que, caso estivesse sentada ao lado do ator Bruce Gomlevsky no momento em que ele chora desconsolado, teria dado um abraço nele. Pena, desconforto, vergonha. Qualquer que seja a reação, apenas prova a força extra que a ótima cenografia dá ao texto, que já é denso e impactante por natureza. O elenco é bom e coeso, capitaneado com vigor e verdade por Gomlevsky, que dá colorido e dramaticidade aos alternados estados de espirito de Christian.

Assistir a Festa de Família... Aliás, assistir não é bem a palavra. Digamos que participar desse jantar é uma experiência singular. É preciso parabenizar Bruce Gomlevsky e a sua recém-criada Cia Teatro Esplendor pela iniciativa de trazer a nós essa trágica festa. A temporada vai até 2 de agosto.

Festa de Família (Festen), de David Eldridge. Direção: Bruce Gomlevsky. Com Bruce Gomlevsky, Julia Carrera, Risa Landau, Walney Costa, Carlos Veiga, Carolina Chalita, Gustavo Mello, Joelson Gusson, Julia Limp Lima, Leonardo Corajo, Otto Jr., Peter Boos, Ricardo Damasceno, Teresa Fournier. Teatro III - CCBB. Quarta a domingo, às 20h. Ingressos 10,00.

Nenhum comentário:

Postar um comentário