quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Amor Sem Escalas


Jason Reitman tem apenas 32 anos e três longas na sua filmografia, além de alguns curtas e dois trabalhos para a TV. Mas o breve currículo não traduz o (merecido) prestígio que o jovem cineasta alcançou em poucos anos. Seu longa de estreia foi o ácido e inteligente Obrigado por Fumar, seguido pelo despretensioso e doce Juno. Este último, além de ter dado à roteirista Diablo Cody o Oscar de melhor roteiro original, levou Jason um patamar acima com sua primeira indicação ao Oscar de melhor diretor. Seus três filmes tem alguns pontos em comum, como os diálogos extremamente bem-escritos e o olhar sarcástico – mas não desprovido de sentimento – sobre as relações humanas contemporâneas.

Amor Sem Escalas não é um bom título para Up in the Air (“nas alturas”, numa tradução aproximada) por sugerir uma comédia romântica tradicional. E este filme está muito mais para uma comédia existencial do que romântica. A história é centrada em Ryan Bingham, um cara cujo trabalho é viajar pelo país despedindo funcionários de empresas em crise e – pior – tentando convencê-los de que a dispensa é a melhor coisa que poderia ter lhes acontecido. Ryan adora o fato de viver praticamente o ano inteiro em hotéis, aviões e aeroportos. Sua vida cabe numa valise e seus bens mais preciosos são os diversos cartões de fidelidade de empresas aéreas, hotéis e locadoras de automóveis, das quais é sempre membro especial – não precisar entrar nas filas de check-in lhe dá uma tola sensação de poder. Sua ambição maior é atingir a meta de 10 milhões de milhas voadas e obter um cartão de platina que só foi dado a seis pessoas antes dele. Em suas próprias palavras, mais gente já pisou na Lua.

Mas o mundo ideal de Ryan ameaça ruir quando seu chefe começa a dar ouvidos aos projetos de Natalie, uma nova e ambiciosa funcionária que acha que é mais produtivo e barato que o trabalho de Ryan seja feito via webcam. Ou seja: ele não precisaria mais viajar e poderia fazer tudo da própria sede da empresa. Ryan se desespera diante da aterrorizante perspectiva de ter um lar permanente e, para provar que sua função necessita do contato pessoal, obriga Natalie a acompanhá-lo na viagem seguinte. O homem que vive de dizer às pessoas que elas não são mais necessárias de repente se sente, ele próprio, obsoleto. Ao mesmo tempo, Alex, uma charmosa executiva que leva a mesma vida nômade que Ryan, começa a balançar suas convicções a respeito das vantagens da solidão e da independência.


De carona no mote da crise econômica e das demissões em massa, o filme nos apresenta um personagem que tem um trabalho nada estimulante, mas que lhe permite viver em permanente estado de suspensão. Sem raízes, vínculos afetivos ou nem mesmo algo que possa ser considerado de fato uma residência, Ryan é feroz adepto da satisfação instantânea e da rotina descartável e provavelmente poderia ter passado o resto da vida nessa letargia se não fosse confrontado com duas mulheres especiais: Alex, que mexe com seu coração, e Natalie, que mexe com seus valores. Há dois momentos que deixam particularmente evidente a redoma que Ryan criou a seu redor: um é quando ele diz que no ano anterior passou 322 dias viajando contra 43 dias de tédio em sua casa, e outro quando ele reencontra as duas irmãs e não consegue articular nada interessante para dizer a elas.

O elenco está muito bem, justificando as indicações que recebeu ao Globo de Ouro. George Clooney, nosso Cary Grant da atualidade, pode até estar sempre fazendo o tipo habitual, mas o faz com uma dose de sarcasmo e auto-ironia que torna impossível resistir a seu charme. Destaque para a cena em que Ryan ouve Natalie dizendo ao namorado por telefone que não tem interesse nele porque ele é velho. A elegante Vera Farmiga empresta muita sinceridade e interessantes nuances à sua misteriosa personagem. E Anna Kendrick, descoberta em Crepúsculo, é uma grata surpresa, com sua espontaneidade e inesperada veia cômica. Também é bom ficar de olho nas ótimas participações-relâmpago de J.K. Simmons e Zach Galifianakis (o cunhado doidão de Se Beber, Não Case!). São do tipo se piscar, já era.

Assim como ocorre em Juno, tem um momento perto do desfecho em que o espectador é levado a pensar que o filme – tão crítico até então – vai derrapar na pieguice e colocar tudo a perder. E, exatamente como em Juno, tudo não passa de uma pequena provocação, que apenas pretende mostrar que a vida não é tão simétrica como nos querem fazer crer as fórmulas viciadas das comédias românticas. Amor Sem Escalas é um filme verdadeiro, engraçado, por vezes cruel, com personagens que não são heróis nem vilões, apenas pessoas tentando administrar o caos e a decepção em suas vidas. Portanto, ele não propõe soluções mágicas, nenhuma guinada de 180º e muito menos nos empurra goela abaixo o happy end imbecil – apenas o possível. É um filme que não tem exatamente um grande momento e sim um somatório perfeito de partes, onde roteiro, direção e interpretações funcionam a contento e conquistam a simpatia e empatia do espectador sem que ele se dê conta disso. Enfim, um pequeno grande filme. Estreia nesta sexta.

Um comentário:

  1. Diria mais, um pequeno pequeno filme. Novamente não consegui "alcançar" um filme do Jason Reitman.

    ResponderExcluir