quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Invictus


Escrito em 1875 pelo britânico William Ernest Henley, o belo poema que dá título ao novo longa de Clint Eastwood tem um fecho bastante afirmativo: “eu sou o mestre do meu destino, eu sou o capitão da minha alma". Mas Invictus, o poema, não é citado no filme gratuitamente: além de cair como uma luva como forma de incentivo para a trama relatada, era um dos textos favoritos de Nelson Mandela durante os 27 anos que este passou recluso na penitenciária de Robben Island. Entre um dia e outro de trabalhos forçados, Mandela buscava forças nas inspiradoras palavras de Henley. Pelo menos é isso que nos conta Invictus, o filme.

O longa é ambientado em 1995, quando Mandela, recém-eleito, patinava para diminuir o abismo de ressentimentos entre a minoria branca que acabara de deixar o poder e a maioria negra que, após anos de apartheid e humilhações, estava sedenta em mostrar aos brancos quem mandava no país agora. Acreditando ser capaz de unificar a população por meio do esporte, Mandela aproveita o fato do país estar sediando a copa mundial de rúgbi e inicia uma maciça campanha de apoio ao desacreditado time da África do Sul. Como o esporte é considerado “de branco”, a população negra costuma torcer contra a própria seleção. Para mudar esse panorama e iniciar seu sonho de construir uma nação integrada, Mandela une forças com François Pienaar, o capitão da equipe.

Invictus não é exatamente um filme sobre Nelson Mandela, e muito menos sobre rúgbi. É um filme sobre a redenção e a grandeza, assim como o foram seus dois últimos filmes, Menina de Ouro e Gran Torino – cito estes como seus trabalhos mais recentes de caso pensado, já que não considero A Troca um legítimo Eastwood. E tampouco se trata da grandeza de Mandela como líder e sua política de conciliar ao invés de revidar, mas daquele outro tipo de grandeza presente em todo ser humano, capaz de realizar proezas impossíveis caso receba o estímulo correto. Como diz Freeman/Mandela numa cena, “este país tem sede de grandeza”. E aqueles jogadores descobrem que já não lhes basta a torcida de uma minoria. Eles precisam do amor do país inteiro, mesmo que tenham passado anos ignorando a existência de grande parte dessa população.


Morgan Freeman, que dizem ter sido escolhido pelo próprio Mandela para representá-lo na tela, cria diante de nossos olhos a ilusão de simplesmente transformar-se no retratado. Das indefectíveis camisas estampadas ao modo de andar, Freeman é todo Mandela. Matt Damon também tem bom desempenho, embora seu personagem tenha função coadjuvante. Completam o elenco alguns rostos desconhecidos por aqui, mas que transmitem grande expressividade. Destacam-se Adjoa Andoh e Patrick Lyster, como, respectivamente, a firme e eficiente secretária de Mandela e o mega preconceituoso pai de François.

Outro aspecto em comum que este filme tem com os citados Menina de Ouro e Gran Torino é que a trama começa mais sóbria, contida, até mesmo sarcástica, e vai aos poucos envolvendo o espectador numa grande catarse emocional. Do Mandela político e visionário que quer usar um campeonato esportivo como forma de união nacional à divertida camaradagem que brota entre seus seguranças negros e brancos, o filme descaradamente leva o espectador a acreditar na utopia da boa convivência entre todas as cores da chamada “nação arco-íris” proposta pelo líder sul-africano.

Mas seria Invictus um filme-cabeça sobre integração racial, aceitação, grandeza e outros sentimentos nobres? Sim, isso também. Mas nem por isso deixa de ser um filme empolgante e cheio de adrenalina nas cenas esportivas. A ponto de deixar todos no escurinho do cinema torcendo por um time de rúgbi, ou seja, vibrando por uma partida de um esporte do qual nem gostamos e cujas regras nem entendemos direito. Mais ou menos como um personagem que diz odiar rúgbi e, ao longo da partida, se rende à emoção dela. Clint Eastwood, do alto dos seus quase oitenta anos, mostra como é que se dirige boas cenas de ação, ao colocar cada espectador dentro de campo com François e seu time. Resumindo: é mais um filmaço do último grande caubói americano. Assim o velho Clint acostuma a gente mal.

Amanhã nos cinemas.

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