quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Cine Holliúdy


Não sabe o que é “joiado” ou “ispilicute”? Nunca tomou uma “voadora na pleura”? Tenha nervo! Não há razão para se sentir perdido, afinal de contas o criativo Cine Holliúdy é o primeiro longa brasileiro falado em cearensês. O diretor, produtor e roteirista Halder Gomes encontrou uma solução para manter o modo colorido de se expressar de seus conterrâneos e, ao mesmo tempo, conquistar o público não-cearense: legendou o filme. Mais do que uma ferramenta, as legendas criam uma divertida correspondência com o protagonista, que dubla por conta própria filmes vagabundos de kung-fu para atender às suas necessidades de exibidor do sertão.

Francisgleydisson é um como artista mambembe, mas não de circo ou teatro: seu barato é levar o cinema – mais especificamente filmes de pancadaria – às cidades do interior do Ceará. Mais do que um mero exibidor de filmes, ele se vê como um verdadeiro astro de filmes de ação. Como a história é ambientada nos anos 70, o grande conflito do protagonista é a ameaça de ter seu ganha-pão destruído pela chegada, ainda que tardia, da televisão. Impossível não se lembrar de Ed Wood pelo modo como o personagem conjuga a falta de recursos e conhecimento com o mais genuíno amor pela sétima arte. Francisgleydisson respira e delira cinema e mantém sua paixão viva na marra, apesar do projetor capenga e dos rendimentos que mal sustentam a família.

Grande parte do mérito vai para o ator Edmilson Filho, que dota seu personagem de uma graça e carisma únicos. Também vale destacar a galeria de personagens secundários impagáveis: a molecada que sofre na mão do menino rico dono da bola e da única TV; o prefeito estilo Odorico Paraguaçu e a primeira-dama periguete (ou melhor, ispilicute); o político de oposição que quer ver o circo pegar fogo; o garoto Valdisney (=Walt Disney) que toma caldo de feijão e finge que é Nescau; os torcedores fanáticos que vão ao cinema com radinho de pilha; os policiais que adoram posar de autoridades máximas; e mais toda uma fauna de malucos que se reúne sob o mesmo teto para conferir a chegada do cinema à cidade.


O elenco mistura atores locais com rostos mais conhecidos como Roberto Bomtempo e Miriam Freeland e ainda conta com participações especiais divertidas, como o cantor Falcão como um cego que não quer perder o filme e o também cantor Marcio Greyck como o comprador da Vanderleia (o carro velho que Francisgleydisson precisa vender para alugar a sala de cinema). Destaque também para o menino Joel Gomes (o Francisgleydisson Filho, ou “Francinho”) e seu ar repleto de admiração pelo talento nato do pai para contar histórias extraordinárias. Mais que tudo, em tempos de comédias copiadas do formato televisivo, Cine Holliúdy apresenta um humor cheio de frescor e originalidade.

A direção de Halder Gomes, conhecido por seus curtas, é das mais inspiradas e não deixa que as risadas ofusquem a mensagem séria a ser veiculada: o cinema não é uma realidade no interior do país. E este é um problema que não ficou nos anos 70, já que, segundo o filme, de todos os cento e tantos municípios cearenses hoje em dia somente cinco (capital inclusa) possuem salas de cinema. Em uma deliciosa contrapartida, Cine Holliúdy chega ao sudeste depois de ser um fenômeno em sua terra natal. Mesmo com o circuito ainda reduzido, o filme conseguiu, com apenas nove cópias, figurar várias semanas na lista dos mais vistos no país. 

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