sábado, 16 de agosto de 2008

O Sonho de Cassandra


Está saindo em DVD um dos melhores filmes de 2008: O Sonho de Cassandra, de Woody Allen. Essa safra recente do cineasta, composta de longas rodados na Europa, impressiona pela maturidade e domínio tanto na parte cinematográfica quanto dramatúrgica. O modo como ele induz o espectador a concluir o que ele quer – apenas para depois empurrá-lo numa direção oposta – é algo que me assombrou em Match Point e pode ser sentido novamente em O Sonho de Cassandra. E isso é um tapa na cara de seus detratores, que o acusam de: a) fazer sempre os mesmos filmes; b) impor ao espectador sua presença; c) fazer sempre o papel dele mesmo. Nenhuma das opções anteriores é válida para este longa.

O Sonho de Cassandra retoma alguns temas já discutidos no brilhante Match Point, tais como ambição, amoralidade, sorte e impunidade. Colin Farrell e Ewan McGregor são dois irmãos aparentemente opostos: enquanto o educado e elegante Ian ajuda – mesmo a contragosto – o pai a gerenciar o restaurante da família, o grosseiro Terry trabalha numa oficina mecânica e vive endividado devido à sua compulsão por todo e qualquer tipo de jogo. Então isso significa que Ian é o mocinho e Terry, o vilão? Não necessariamente. A verdadeira natureza de cada um vem à tona quando os dois são confrontados com a possibilidade de realizar seus sonhos. Como diz o velho ditado, é preciso tomar cuidado com o que se deseja.

Talvez o maior ponto de tangência entre O Sonho de Cassandra e Match Point esteja na falta de escrúpulos do personagem de Ewan McGregor. Ian tem objetivos, deseja alcançá-los e, para isso, fará o que for preciso. Tal mentalidade o aproxima do tio rico e o afasta do irmão com quem até então tinha o mais íntimo dos relacionamentos. É muito interessante reparar como o roteiro trabalha bem esses dois momentos: num primeiro segmento, os dois irmãos se protegem e parecem indissoluvelmente unidos contra o resto do mundo. Nem mesmo os pais ou as namoradas conseguem penetrar nesse universo fraterno. Mais adiante, vemos o abismo que vai progressivamente se interpondo entre eles. Também vale destacar o modo sempre inesperado com que a máscara de cada personagem cai. Terry, o mau elemento; Ian, o certinho; Angela; a libertina; Howard, o self-made man. Isso é o que eles aparentam, mas só à primeira vista.

Sobre o elenco, é evidente a superioridade de Ewan McGregor em relação a Colin Farrell. Farrell até está bem dirigido (afinal de contas, Woody Allen deu jeito até no Jason Biggs), mas é inegável seu desnível em relação ao companheiro de cena. Muitas vezes, Farrell falando é menos expressivo do que McGregor de boca fechada. Mas Woody Allen foi esperto o suficiente para lhe dar o personagem menos complexo, já que a sofisticada dissimulação de Ian não seria páreo para ele. Tom Wilkinson, sempre eficiente, completa o triângulo familiar como o tio pródigo.

Outro aspecto que chama a atenção é o fato do longa ser inqualificável em termos de gênero. Podemos considerá-lo um thriller ou um drama, embora o filme não seja um exemplar perfeito de nenhum dos dois. Eu, particularmente, o acho mais próximo dos filmes de gângster. Estão lá alguns alicerces constantes do gênero: obrigatoriedade de lealdade à família (neste caso, família nos dois sentidos), relutância de um membro a fazer parte dos "negócios", elasticidade moral da parte dos envolvidos, etc. Mas não espere ver sangue esguichando nem membros decepados na tela. Allen reinventa a seu modo os códigos, misturando-os, por exemplo, com diversas referências às tragédias gregas.

Resumindo em uma única frase, O Sonho de Cassandra é imperdível.

2 comentários:

  1. Woody carrega sua câmera com total maestria e, como sempre, têm muito êxito em suas escolhas, desde o título do filme até a escolha do elenco. O título magnificamente explicado no final, com uma cena brilhante. Tudo bem, suavemente previsível, mas não deixando de ser um desfecho satisfatório. O Sonho de Cassandra é mais que um filme de suspense, é um filme sobre como o ser humano pode destruir sua vida com suas escolhas. Espero que o olhar "clínico" da crítica reconheça mais essa película importante para o cinema. A marca de Woody está muito explícita no filme, como todo grande cineasta, Woody Allen faz do ato final a cena mais impactante do filme, com uma mensagem forte.

    Andaram dizendo que o filme foi clichê. Mas e daí, o filme é bom e PONTO

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  2. Acho que os ditos intelectuais andam de má-vontade com Woody Allen desde que ele abandonou aquela fase "Bergmaniana" dos anos anos 80 (que eu, particularmente, não gosto) e se esquecem de que o cara começou fazendo comédias nonsense como O Dorminhoco. Mas Woody não quer ficar congelado numa fase específica. Mesmo que algumas experiências não tenham dado muito certo, acho genial que um grande cineasta como ele esteja sempre disposto a se reinventar.

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