quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Um Crime Americano


A perversidade que se esconde por detrás de pessoas aparentemente normais, que levam vidas aparentemente prosaicas, é um filão que já foi explorado à exaustão na sétima arte. Ainda assim, é sempre incômodo ver o que o ser humano é capaz de infligir a seu semelhante, muitas vezes sem que haja ao menos uma razão para justificar a crueldade. E quando o roteiro é inspirado por uma história real... Bom, aí mesmo é que dá um nó nas entranhas de qualquer um com um mínimo de sensibilidade. Faço essas ressalvas para tentar explicar o porquê de um filme mal conduzido como Um Crime Americano causar uma impressão tão forte no espectador.

O longa se propõe a reconstruir a trágica história de Sylvia Likens, uma menina de dezesseis anos que, em 1965, foi vítima de um crime que chocou a cidade de Indiana. Os pais de Sylvia trabalhavam em um circuito de feiras itinerantes e, para que as filhas não perdessem aulas, optaram por deixar Sylvia e sua irmã Jennie aos cuidados de Gertrude Baniszewski, uma mãe solteira com seis crianças que se oferecera para cuidar das meninas por alguns meses em troca de uma ajuda de custo. Uma desavença entre Sylvia e Paula, filha mais velha de Gertrude, desencadeia uma reação vingativa da mãe que vai tomando proporções cada vez mais devastadoras: pressionada pelo aperto financeiro, Gertrude revela-se instável emocionalmente e começa a perseguir a indefesa garota progressivamente, o que culmina em cárcere privado e torturas brutais.

A primeira estranheza que senti em relação ao filme foi constatar que uma história com essa intensidade dramática tenha sido confiada ao inexperiente Tommy O’Haver, cuja filmografia tem como ponto alto – se é que se pode dizer isso – o teen Uma Garota Encantada. O’Haver, que também assina o roteiro, realiza um filme nos moldes mais tradicionais e evita ser muito explícito nas cenas que mostram o nível de brutalidade cometida contra Sylvia Likens. Sua direção é pouco criativa e fracassa no único momento em que tenta fugir do convencional. O filme tem uma espécie de pista falsa perto do desfecho que soa totalmente desconexa com o restante, cabendo ao espectador tentar adivinhar o que, exatamente, o diretor e roteirista quis dizer com aquilo.


Mas, mesmo enfraquecido por suas limitações como produto cinematográfico, Um Crime Americano ainda é um filme difícil de digerir. Em primeiro lugar, pela força da história contada, que se impõe de maneira terrivelmente poderosa acima das deficiências do filme em si. Em segundo, pela atuação fantástica de Catherine Keener e Ellen Page. Catherine, no melhor papel de sua carreira, constrói uma Gertrude que oscila entre uma desesperança comovente e a crueldade patológica. Passando da mera instabilidade emocional para a insanidade total sem que ninguém à sua volta se dê conta do quanto ela está descontrolada. Pateticamente apegada à idéia de que está sendo apenas rigorosa e, com isso, criando monstros dentre seus próprios filhos, que se moldam pelo caráter desumano da mãe. A jovem e talentosa Ellen Page assume o papel da frágil vítima, um contraponto interessante para a imagem da atriz, que é mais conhecida como a grávida confusa e espirituosa de Juno e também como a adolescente esperta e vingativa de Menina Má.com. É uma grata confirmação de seu talento ver que Ellen também é ótima num estilo de personagem totalmente diverso dos anteriores.

Mesmo sugerindo mais do que mostrando, Um Crime Americano dá uma boa idéia do calvário por que passou Sylvia. O mais bizarro na situação é o fato de tanta gente estar a par da tortura e, mesmo assim, não fazer nada para deter tal monstruosidade. Ao contrário do caso recente do pai que trancafiava a filha em um compartimento secreto no porão, o cárcere de Sylvia era de conhecimento geral. Inclusive de pessoas de fora da casa. Uma cena interessante é a que mostra o promotor do caso perguntar, chocado, a Jennie porque, afinal de contas, ela nunca pediu a ajuda de ninguém para libertar a irmã. A resposta da menina – de que estava apavorada e com medo de despertar a fúria de Gertrude contra ela também – é uma explicação. Mas não uma boa justificativa. É fácil se calar quando não é a sua pele que está em carne viva.

O filme estréia sexta-feira.

2 comentários:

  1. Achei o titulo do filme interessante. Os americanos tem uma facilidade em demonizar seus inimigos e a partir dessa demonização o inimigo deixa de seruma pessoa e passa a ser menos que um animal indigno de compaixão ou piedade. Na verdade o crime cometido por essa dona de casa é o mesmo crime cometido na prisão de abul graib, no Iraque e que escandalizou o mundo. Infelizmente esse é um crime da sociedade americana que compactua com tudo isso seja virando a cara ou mesmo participando ativamente.
    Abraço do Alan

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  2. achei o filme bom por causa das suas interpretações..mas como ja conhecia o caso antes,fiquei revoltado com a maneira que o filme retrata gertrude baniszewski...a interpretação de catherine keener é o ponto alto do filme, mas a personagem foge da gertrude real..
    o filme retrata gertrude como uma louquinha que nao tinha noção do que fazia... o filme não mostra gertrude sendo a principal agressora mas sim as crianças, quando ela é que tinha as ideias malucas..o filme nao mostra ela e paula(que tambem é retratada como uma boazinha) a esfregar SAL nas feridas da silvia e a obrigar sylvia a comer as suas PROPRIAS FEZES.
    sylvia sofreu muito mais do que o filme mostrou e gertrude foi muito mais monstruosa e calculista do que mostra no filme. ela ate planeu deixar sylvia nos bosques e dizer á policia que tinha sido um gangue de rapazer a provocar aquelas lesões. basicamente, o que o filme mostra é : as crianças fazendo as maldades e gertrude ignorando, quando na realidade gertrude teve um papel muito mais participativo nas torturas á pobre e inocente sylvia..
    por isso, nao confiem nos filmes para dizer a realidade, mesmo se disser "baseado numa historia veridica".

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