quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Bruna Surfistinha


Fazer uma resenha sobre o filme Bruna Surfistinha passa por duas questões bem distintas: o filme propriamente dito e o enfoque dado pelo mesmo à história verídica de Raquel Pacheco, adolescente que sai de casa aos 17 anos com uma ideia nada ortodoxa na cabeça: conquistar sua independência trabalhando como garota de programa. O resultado todo mundo já sabe: um dia Raquel assume o codinome Bruna Surfistinha e começa a contar sua vida e suas experiências sexuais em um blog, atitude que a transforma em escritora best-seller e grande celebridade.

Quando ouvi falar da personagem pela primeira vez, me perguntei por que, afinal de contas, Bruna Surfistinha teria ficado famosa. Não era a primeira nem seria a última garota de classe média a achar a prostituição mais atraente do que um emprego convencional. A resposta é simples: numa sociedade onde participantes de reality show são tratados como estrelas, o diferencial de Bruna era sua rara disposição em escancarar os detalhes do métier na internet, ao contrário da maioria das garotas de programa, que costumam fugir de publicidade como o diabo da cruz.

E então agora a vida de Bruna ganha as telas. A moça tem declarado em programas de entrevistas que não quer se justificar nem influenciar ninguém. Mas, ao contrário do que ela diz, o enfoque do filme é justamente no sentido contrário. A protagonista é retratada de forma vitimizada – embora tenha chegado a tal situação por opção própria – e altamente positiva, como se o crescimento pessoal de alguém devesse necessariamente passar pelas drogas e pela prostituição. Não se trata aqui de moralismo e sim de detectar uma visão tendenciosa e parcial do longa em relação a uma mazela bastante séria da sociedade brasileira. O roteiro trata como brincadeira situações como Bruna se livrar de uma multa oferecendo seus dotes a um policial, por exemplo. Se não fosse baseado numa história real, seria menos preocupante.


Mas aí entra a outra questão a ser analisada: e o filme em si, é bom? Como passatempo, é sim. O roteiro é bem azeitado, com ritmo ágil e diálogos naturalmente fluentes. E, claro, é um filme com muito bom humor. Como não rir diante da coleção de pervertidos que desfila pela tela? Tratar o sexo de forma desinibida é sempre divertido e surpreendente. Deborah Secco vai muito bem no papel-título, e convence tanto como a menina introvertida do início quanto em sua transformação em furacão sexual. O filme ainda é enriquecido por uma penca de ótimos atores em papéis secundários, com destaque para a cafetina irônica de Drica Moraes e a prostituta com pavio curto de Fabiula Nascimento.

Resumindo: Bruna Surfistinha é um bom filme para quem conseguir enxergá-lo pelo mero viés do entretenimento, mas também é potencialmente deficitário no sentido de ser um espelho da realidade.

Amanhã nos cinemas.

5 comentários:

  1. Erika, me senti um pouco animado com este filme assim que um contato virtual meu disse ter ficado orgulhoso pela primeira vez de ter participado de um filme realmente bom (ele foi responsável pela escalação de figurantes e pôde ver bem de perto do desenvolvimento da produção, bem como a preparação de Deborah Secco para o papel).

    Como não tenho hábito de julgar de antemão um filme e seus personagens (tem gente que não assistiria este filme por simplesmente se tratar da história de uma prostituta), provavelmente verei. Ao menos dá para ver com base em seu texto que ele funciona de alguma maneira.

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  2. Até o momento essa é a melhor analise sobre essa febre de "Surfistinha". Mas confesso que não tenho nenhum interesse em ver essa tão comentada Biografia, mesmo sendo a coqueluche do momento. Excelente trabalho Érika. Parabéns!

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  3. Amanda,

    Obrigada pelas palavras. Espero que continue lendo e comentando o blog.

    Alex,

    O filme funciona sim, minhas restrições são apenas ao enfoque dado.

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  4. Arrasou, Erika.
    Incrível como podemos escrever quase a mesma coisa de formas diferentes. Viva a arte!!

    Bjs :*

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  5. Oi Erika,

    Adorei seu texto. É bem esclarecedor. Esse é um tema muita explorado no cinema, mas nem todos os cineastas sabem desenvolvê-lo a contento, sempre deixando pontas soltas. Vou conferir no cinema e depois posto outro comentário. bjks

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