quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Breu


Breu. Uma única palavra e tantos significados para um espetáculo. Ao entrar no Teatro III do Centro Cultural Banco do Brasil, o espectador se sente intimidado e, ao mesmo tempo, acarinhado pela penumbra familiar de uma cozinha. Uma geladeira, um fogão, uma mesa, utensílios diversos. Ao começar o espetáculo, partimos da leve penumbra para o breu propriamente dito. Uma mulher fala no escuro. Sensação de curiosidade e angústia. A luz chega, ainda que tímida, com a entrada da outra personagem. Percebemos que a primeira é cega, mas esse é somente um dos sentidos – o mais literal – da escuridão que domina a sua vida. Naquela cozinha, naquela noite, as duas mulheres se estudarão em um jogo de segredos, desconfianças e revelações.

O espetáculo, que estreou na noite de ontem no Rio e fica em cartaz até março, vem de uma temporada de sucesso no CCBB de Brasília. A dramaturgia se desenrola a partir de um texto original de Pedro Brício, que é simplesmente um dos autores mais interessantes do teatro brasileiro atual, com uma maturidade dramatúrgica que contrasta sensivelmente com a sua ainda pouca idade. Depois de surpreender com textos mais efusivos e divertidos como A Incrível Confeitaria do Senhor Pellica e Cine-Teatro Limite, Brício agora investe em uma trama mais árida, tensa, cheia de silêncios e elipses.

No cenário extremamente realista, as personagens cozinham, lavam a louça, abrem janelas. O cheio do molho de cachorro-quente que preparam chega até nossas narinas. A brisa do ventilador pode alcançar espectadores dentro de determinado raio. O toque estridente do telefone faz sobressaltar a plateia inteira. Ou seja, somos envolvidos por nossos sentidos enquanto Kelzy Ecard e Andréia Horta se estudam através do grande tabuleiro que é o espaço cênico, medindo cada palavra, gesto, pergunta. Primeiro parece que Carmen, personagem de Kelzy, domina a situação; depois, aos poucos, percebemos quanta fragilidade se esconde por trás do seu jeito despachado. Também percebemos que Aurora está longe de ser a mocinha ingênua e insegura que nos parecera a princípio. Seriam todas as teorias de Carmen meras neuroses, transferidas para o público?


Existe mais breu em cena do que a deficiência física de Carmen. É a escuridão da alma, dos pesadelos, a cegueira política de um país inteiro mergulhado em trevas. Breu é um espetáculo estudado, medido, tenso. Na cenografia precisa, na direção enxuta, no embate calmo – porém feroz – entre as duas atrizes em cena. Não é exatamente um espetáculo fácil, digerível. Mas, conforme dizia o mestre Nelson Rodrigues, “qualquer peça autêntica é um julgamento brutal”. É preciso destacar, ainda, o impressionante domínio do espaço cênico demonstrado por ambas as atrizes, que planam com desenvoltura entre obstáculos físicos e emocionais para nos entregar uma atuação de tirar o fôlego.

A dica? Se puderem, sentem-se em uma das cadeiras disponíveis dentro de cena. A sensação de intimidade é incomparável.

Breu. Texto: Pedro Brício. Direção: Maria Silvia Siqueira Campos e Miwa Yanagizawa. Com Andréia Horta e Kelzy Ecard. De quarta a domingo, às 19h30, no Teatro III do CCBB. Ingressos a R$ 6,00. Até 11/03/2012.


Fotos: Paula Huven

2 comentários:

  1. Realmente o espetáculo é envolvente, tenho orgulho de admirar esse trabalho.
    Parabéns.

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  2. Fui ao espetáculo levada pelo meu marido que adora teatro. Fui surpreendida pela luminosidade do palco, a disposição das cadeiras para o público, a perfeição da interpretação da cega auto-suficiente (pero no mucho, concluímos ao final)... Que trabalho! Parabéns! Duas tremendas atrizes! Texto maravilhoso! Saímos com perguntas e isso é ótimo! Indagações levam ao crescimentoda sensibilidade. Obrigada.

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