sábado, 21 de janeiro de 2012

Os Homens Que Não Amavam as Mulheres (2012)


Uma coisa que me incomoda no atual cinema americano é que poucos filmes são, de fato, originais. E foi-se o tempo em que somente a literatura servia de fonte: hoje em dia proliferam adaptações de quadrinhos, videogames, musicais da Broadway, enfim, qualquer coisa que soe rentável. Outro manancial constante vem do cinema europeu. Basta um filme fazer relativo sucesso para Hollywood imediatamente se dispor a produzir um remake, que, salvo raras exceções, acaba sendo idêntico ao longa original, com a única diferença de ser falado em inglês.

Os Homens Que Não Amavam as Mulheres é o primeiro episódio da trilogia Millenium, estrondoso sucesso editorial do autor sueco Stieg Larsson que já havia sido adaptado para o cinema em três ótimas produções suecas há meros dois anos, sendo que apenas o primeiro filme chegou às telas brasileiras. Agora é a vez do badalado David Fincher refazer o que já foi bem-feito da primeira vez. E o público americano, célebre por sua rejeição às legendas, comprará o novo produto como novidade – mesmo caso de outro filme sueco recente, Deixe-me Entrar. Claro que quem não leu e não viu os antecessores vai adorar este, o que é um mérito mais da eletrizante história e dos ótimos personagens do que de quaisquer inovações introduzidas por Fincher – que, diga-se de passagem, foram poucas, tímidas e não muito felizes.


Esta primeira parte da história aproxima os dois protagonistas da trama: Mikael Blomkvist e Lisbeth Salander. Ele é um jornalista investigativo incorruptível e ousado, editor da conceituada revista Millenium, que vive uma fase complicada em sua vida depois que denunciou um caso de corrupção e não pode provar suas acusações, tendo sido processado e perdido muito dinheiro e prestígio perante a opinião pública. Ela é uma hacker de atitude agressiva e com problemas de socialização, tutelada pelo Estado e tida como deficiente mental, embora seja inteligentíssima. Quando um poderoso empresário propõe a Mikael que investigue o desaparecimento de sua sobrinha, ocorrido quarenta anos antes, ele e Lisbeth acabam por topar com a ponta de um iceberg e começam a destrinchar uma trama macabra envolvendo uma das famílias mais prestigiadas do país.

Pois bem. Fincher andou alardeando na mídia que teria feito sensíveis alterações em relação ao produto original, talvez em uma tentativa de justificar uma adaptação realizada tão pouco tempo depois do original. Bobagem. Foram feitas algumas mudanças em relação à explicação para o mistério investigado por Mikael e Lisbeth sim, mas, no final das contas, nada que alterasse tão profundamente os rumos da trama. O que ocorreu foi que o cineasta, mesmo tendo realizado um bom filme no geral, mexeu logo onde não deveria: na abordagem da personagem Lisbeth Salander. Lisbeth é um dos maiores personagens femininos de todos os tempos, justamente por ser tão duro, ríspido, antissocial, indigesto, desagradável mesmo. Essência que foi captada à perfeição por Noomi Rapace no longa original e bastante suavizada neste novo filme. Rooney Mara atua bem, mas sua interpretação com nuances doces transforma a personagem em algo quase romântico, deixando toda a esquisitice e fúria de Lisbeth restrita a uma questão de caracterização e figurino. Quase dá vontade de pegar no colo aquela menina desamparada.


O filme é, ainda, um pouco mais explicadinho do que seria necessário. Claro que parte do público certamente vai preferir esta nova versão e até considerá-la mais bem “amarrada”, mas é inevitável a sensação de que Os Homens Que Não Amavam as Mulheres, em sua versão americana, tenha se tornado um produto mais asséptico e bem-comportado. Mesmo tendo mantido as cenas de violência intactas, o novo filme peca ao trair a essência de seu personagem mais fascinante. Se é um bom filme? Sim, é um blockbuster de respeito, mas o que se questiona aqui não é sua qualidade e sim a validade dele ter sido feito.

Agora resta aguardar para ver o que acontecerá com o restante da trilogia, já que David Fincher, Daniel Craig e Rooney Mara assinaram contato para os três longas da série. Por enquanto, a Suécia está levando a melhor. 

Próxima sexta, dia 27, nos cinemas.

7 comentários:

  1. A questão aqui é que a alteração que o David Fincher e Rooney Mara fizeram à Lisbeth Salander é a verdadeiramente fiel ao livro. A Lisbeth dos livros de Stieg Larrson não é só desagradável, antissocial e indigesta como a interpretada pela Noomi. É sobretudo a criatura frágil e carente que vemos interpretada pela Rooney, sob aquela capa antissocial e agressiva.

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  2. Não é que ela não tenha fragilidade e carência no seu interior, Tiago, mas, como você mesmo disse, ela tem essa capa exterior e a mantém. Não é essa menina doce que dorme abraçadinha e prepara café da manhã. Não me convenceu.

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  3. Mas leu os livros? A Lisbeth é assim mesmo...

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  4. Li os três livros e vi os três longas suecos e continuo fechada com a interpretação dos filmes originais. Falta uma atitude mais afirmativa à Lisbeth de Fincher, o que pode ser explicado pelo fato de ser um filme de estúdio.

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  5. Erika, não vi a nova versão, mas não duvido que a personagem original tenha virado outra coisa, nos moldes hollywoodianos. Do jeito que eles gostam. Uma pena.

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  6. Erika, não ficou nem um pouco surpreso que este é inferior diante da versão sueca de "Os Homens que Não Amavam as Mulheres". David Fincher é um cineasta com o qual passo a gostar ainda menos com o tempo e duvido que ele tenha contribuído com alguma novidade aqui. Sem dizer que acho triste saber que a Lisbeth Salander aqui foi suavizada.

    Com expectativas lá embaixo, assistirei entre hoje e amanhã.

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  7. Pois é, Alex, ao final da projeção a primeira palavra que me veio à mente foi "desnecessário". Eu confesso que gosto do Fincher até Benjamim Button (muitos pararam de gostar dele ali), mas nunca engoli muito o superestimado A Rede Social. Depois me diz o que você achou.

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