domingo, 29 de janeiro de 2012

Os Descendentes


Como é lindo quando a excelência cinematográfica vem da (aparente) simplicidade! Os Descendentes é um filme calcado sobre três pilares fundamentais: roteiro bem escrito, atores bem escalados e direção competente. Alguns perguntarão “só isso?”. Bom, eu realmente não acho que isso seja pouca coisa, daí ter falado em aparente simplicidade, mas estamos ficando tão viciados em adrenalina, efeitos digitais, turning points espetaculares, edição estonteante e desfechos mirabolantes que há sim essa tendência a esquecer a velha noção de que o menos pode ser mais. E, no caso deste ótimo filme de Alexander Payne, o menos é muito mais.

Payne, 50 anos, americano de raízes gregas, é um cineasta de poucas e acertadas escolhas. Dentre elas, podemos destacar sua surpreendente visão sobre como a competitividade extremada dos americanos tem suas origens lá no ensino médio (Eleição, 1999) ou uma etílica viagem pelos vinhedos da Califórnia empreendida por dois amigos que não poderiam ser mais diferentes entre si (Sideways, 2004) – este último lhe rendeu a primeira indicação a melhor direção e a estatueta de melhor roteiro original. Com Os Descendentes, Payne prova mais uma vez ser um cineasta que sabe contar uma história apaixonante a partir de um argumento prosaico. Seus filmes, assim como seus protagonistas, são sempre mais ricos e interessantes do que aparentam.   

George Clooney é Matt King, milionário havaiano que se sente subitamente perdido a partir do momento em que sua esposa sofre um acidente de barco e entra em coma. Não bastasse o desespero de ter a mulher naquela situação, Matt, de uma hora para outra, ainda se vê como o único responsável pelas filhas, de 17 e 10 anos, duas meninas cheias de personalidade que não parecem nada dispostas a facilitar as coisas para ele. Paralelamente, a questão da venda de um terreno da família traz até ele uma penca de primos cheios de perguntas parecidas e exigências contidas nas saudações cordiais. Em um período de poucos dias, Matt terá um choque de realidade ao ser confrontado com questões que estavam rondando sua família há meses sem que ele se desse conta.


É muito interessante que esse drama familiar se passe no paradisíaco Havaí e tenha um milionário como protagonista. Como Matt diz em off logo no começo do filme, as pessoas acham que não se trabalha no Havaí ou, pior, que o sofrimento de quem mora lá é menor pelo simples fato de habitar em um local onde os outros passam férias. E o que Payne habilmente mostra neste filme é que a amplidão de uma bela praia ou uma alameda ladeada de coqueiros esvoaçantes pode soar tão opressiva ou angustiante quanto paredes de concreto cinzento. E é justamente esse o tom de Os Descendentes, que evita as imagens óbvias, os clichês habituais. É um filme sem antagonistas (podemos até considerar que Matt tem atrás de si um coro grego de primos, mas não exatamente um antagonista), onde a descoberta do que realmente se quer ou precisa está diante dos olhos de quem ousar enxergar.

George Clooney apresenta aqui mais uma belíssima atuação, totalmente despojado de qualquer resquício do Clooney charmoso e irresistível da vida real. Não dá para entender a resistência que muitos ainda tem contra seu trabalho como ator, considerando que ele vem dando provas de que está a serviço do personagem e não de sua persona pública desde E Aí, Meu Irmão, Cadê Você? Só posso concluir que a culpa seja dos seus filmes mais comerciais, como os da franquia Onze Homens e um Segredo, que provavelmente tem mais divulgação do que os trabalhos realmente importantes, como Tudo Pelo Poder, Amor Sem Escalas, Syriana ou Boa Noite e Boa Sorte, só para citar alguns títulos. Mas seria injusto creditar os louros do bom desempenho apenas a Clooney, já que ele é muito bem coadjuvado pelas jovens Shailene Woodley (indicada ao Globo de Ouro) e Amara Miller, que interpretam as suas filhas Alexandra e Scottie na trama, e também pelo divertido Nick Krause, o amigo abobalhado de Alexandra.


Os Descendentes venceu dois Golden Globes (melhor filme drama e melhor ator) e concorre a cinco Oscars: filme, direção, ator, edição e roteiro adaptado. Deve levar pelo menos o prêmio do Clooney. Fica difícil avaliar se isso seria injusto, porque ainda não foi possível conferir O Artista e A Invenção de Hugo Cabret, seus principais concorrentes, mas o que se pode afirmar com certeza é que se trata, desde já, de um dos grandes filmes de 2012. Ótima maneira de começar um novo ano.

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