terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Jogo de Cena


O documentarista Eduardo Coutinho sempre foi da opinião de que todo mundo se transforma em ator diante de uma câmera. Para endossar sua tese, em 2006 a equipe do cineasta colocou um anúncio num jornal, procurando por mulheres que tivessem histórias para contar e se dispusessem a participar de um teste para cinema. Oitenta e três entrevistas foram realizadas, das quais vinte e três foram selecionadas e filmadas no Teatro Glauce Rocha. Posteriormente, atrizes – algumas famosas, outras desconhecidas – foram convidadas para dar sua interpretação às histórias contadas pelas entrevistadas. O resultado pode ser conferido em Jogo de Cena, que já está disponível em DVD.

Jogo de Cena tem um dos melhores títulos já dados a um filme, porque é exatamente a isso que se propõe: criar um jogo de interpretação onde a fronteira entre realidade e atuação muitas vezes não é perceptível. Não é ficção, mas tampouco é um documentário; trata-se de um híbrido dos dois. Alguns relatos são intercalados entre entrevistada e atriz, em outros não fica claro se quem está em cena é a pessoa que contou a história ou uma atriz desconhecida. Grande destaque para a cena da mulher que conta sua experiência com o despachante rodoviário na Praça da Sé. Excelente. Algumas coisas ditas pelas atrizes até parecem experiências pessoais, como a ida de Fernanda Torres ao terreiro de Candomblé ou a saudade de Andréa Beltrão de sua antiga babá. Será? Foi um comentário à parte ou 100% do que diziam fazia parte do depoimento que interpretavam?

Então esse jogo acaba envolvendo também o espectador e aguçando sua curiosidade. Aquilo é realidade encenada ou interpretação? E quando alguém conta um fato, mesmo sendo verdadeiro, essa pessoa não estaria representado pelo simples motivo de se ver diante de uma câmera? São estas questões conceituais e filosóficas que elevam para outro patamar um filme que, ao primeiro olhar, pode parecer menos atraente do que os longas anteriores de Coutinho.

Jogo de Cena tem como único ponto fraco o fato de nem todas as histórias relatadas serem interessantes. Eduardo Coutinho é um exímio entrevistador e tem um jeito amável e descontraído de deixar seu convidado à vontade, o que faz com que ele sempre extraia o melhor de cada um. Mas, ainda assim, os relatos estão longe de ter a pungência dos mostrados em Edifício Master, só para citar um exemplo. E isso causa estranhamento, já que originalmente eram oitenta e três histórias que foram reduzidas a vinte e três. Qual terá sido o critério adotado? Ou será que o relato em si não importava e o foco era selecionar as passagens que representassem, de algum modo, maior desafio às atrizes?

Um dos grandes momentos do filme mostra Fernanda Torres “saindo” do personagem para falar sobre sua dificuldade em interpretar uma pessoa real. Muito sincera e avessa a estrelismos, a atriz fala sem rodeios ou pudores sobre seus próprios bloqueios. É em momentos como este que o filme cresce em densidade e entendemos porque Fernanda é uma grande atriz.

No geral, Jogo de Cena é um filme muito bom. E suas maiores qualidades vêm justamente do que não é visto pelo espectador, ou seja, do conceito, do que não está em cena.

Um comentário:

  1. Sempre quis ver essa pequena perola do cinema nacional mas não é tão facil de achar quanto se imagina.

    Gostei do seu blog. Tenha uma ótima manhã.

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