quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Foi Apenas um Sonho


Até que ponto a sociedade pauta o estilo da vida particular de cada um? A maioria das pessoas realmente vive a vida do jeito que planejou? Todos nós gostamos de pensar que esse papo de ser forçado a algo pelas circunstâncias é problema de gente fraca, sem fibra, acomodada. Nós, protagonistas de nossa história, somos diferentes. Especiais. Independentes. O novo filme de Sam Mendes, a despeito de ser ambientado nos anos 50, toca em feridas que ressoam até o presente: a perda dos sonhos e ideais da juventude. Ou, como diria Elis Regina, “ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais”.

Frank e April Wheeler são um casal invejado pelos vizinhos: jovens, belos, modernos, enfim, pessoas que se destacam por seu brilho especial. Ambos são avessos aos padrões convencionais e acreditam em uma vida cheia de liberdade, arte e beleza. Mas, a despeito de seus altos ideais, os Wheeler se veem a cada dia mais parecidos com tudo que sempre abominaram: Frank acomodou-se em um trabalho burocrático e maçante porque tem esposa e dois filhos para sustentar; April deixou para trás seu sonho de ser atriz para se tornar uma dona-de-casa insatisfeita e mal-humorada. Como isso aconteceu a um casal tão especial? April não quer entregar os pontos e acha que ainda é possível mudar o destino. Frank está mais reticente, mas acaba cedendo aos apelos da esposa de largar a vida entediante na Revolutionary Road (que de revolucionária só tem o nome) e reconstruir tudo longe dali. Seria tarde demais e eles estariam sendo ingênuos, como acreditam os amigos ou nunca é tarde para soltar as amarras?

A história se apóia numa realista e amarga radiografia não apenas do casamento e dos papéis de cada um dentro de uma relação, mas também de toda uma estrutura social para a qual um jovem casal é empurrado. Filhos necessitam uma casa maior, que gera uma hipoteca, que faz com que o casal precise se sujeitar a uma existência adormecida e viva para desempenhar funções e atender a demandas. Não é culpa de ninguém e o que torna a história tão triste é justamente a ausência de mocinhos e bandidos. Frank e April não são heróicos e cometem erros ao longo de todo o filme, mas tampouco são vilões. Cada um quer achar um sentido para a vida. Ela, de forma mais desesperada e impulsiva; ele, de modo mais retraído e nem por isso menos dolorido. E cada um dos vizinhos frustrados fará tudo para empurrá-los de volta à “normalidade”.

A exemplo do que acontece no também ótimo Beleza Americana, o diretor Sam Mendes faz o espectador enxergar pelo buraco da fechadura e ver o desespero silencioso que se oculta por trás dos gramados bem-cuidados da classe média americana. A diferença é que enquanto Beleza Americana mantinha sempre uma nota de sarcasmo e ironia diante dos absurdos cometidos em nome de uma pacata vida suburbana, Foi Apenas um Sonho mostra personagens que nunca almejaram aquele estilo de vida presos a ela. April, em especial, parece afogar-se mais e mais a cada fotograma. Otimista a princípio, esperançosa até certa altura e, finalmente, em um estado de espírito que transcende a apatia.

O roteiro foi escrito a partir do livro de Richard Yates, embora a trama pareça ter um estilo mais teatral, ou seja, poucos personagens, grande parte da ação na casa dos protagonistas e cenas totalmente dependentes do talento dos atores. Que excedem as expectativas. Kate Winslet é simplesmente a melhor atriz de sua geração. Sempre expressiva, até mesmo quando calada, Kate traz o espectador para dentro do seu sofrimento com um simples levantar de sobrancelhas. Vale lembrar que Kate foi indicada ao Oscar deste ano por O Leitor e não por esse filme e eu me pergunto se é possível que sua atuação no outro filme seja ainda melhor do que neste. Leonardo DiCaprio, também ótimo, demonstra a segurança peculiar do homem dos anos 50 sem transmitir dureza ou insensibilidade. Seu personagem é mais contido, em relação ao de Kate, e o ator diz muito nesse filme com os olhos. Um exemplo disso é a cena em que Frank chega em casa depois de ter aprontado das suas e fica desconcertado ao encontrar April e os filhos esperando por ele com um bolo de aniversário. E, finalmente, não se pode deixar de mencionar o ótimo Michael Shannon (indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante), que quase consegue roubar a cena em suas breves aparições como John Givings, o filho de uma vizinha tido como louco, mas que parece o mais são de todos, ao ter coragem de dizer o que mais ninguém diz. O que leva a outra discussão, esta sobre o conceito de sanidade.

Foi Apenas um Sonho é um filme de reflexões, sejam elas sobre o sentido da vida ou sobre o que você em particular está fazendo para descobrir qual seria esse sentido. Porque, como diz April numa cena, muitas vezes é mais fácil não tentar nada para evitar a possibilidade de fracassar no intento. E muitas pessoas, outrora especiais e revolucionárias, no final se acomodam no conforto do tédio.

O filme foi indicado a três Oscars: ator coadjuvante, direção de arte e figurino. Merecia mais.

3 comentários:

  1. Eu não gostei muito não, mas em uma coisa concordamos: os olhos do DiCaprio (e da Kate tb) mostram MUITO.

    Beijos, saudades!
    ps. Vc vai ver o Tom?

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  2. Quero ir, mas houve um problema com a minha credencial. Estou tentando resolver. Que os poderes da cientologia me protejam, eheheh

    Beijos, amigo!

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  3. Merecia indicações de filme, direção e dos atores centrais. Reafirmo: Winslet está mais perfeita neste que no O Leitor.

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