sábado, 3 de janeiro de 2009

Deserto Feliz


Podemos dizer que Deserto Feliz é um début na direção para o pernambucano Paulo Caldas, já que embora tenha co-dirigido anteriormente Baile Perfumado (com Lírio Ferreira) e O Rap do Pequeno Príncipe contra as Almas Sebosas (com Marcelo Luna), este é o primeiro longa-metragem que Caldas assina sozinho. Co-produção entre Brasil e Alemanha, o filme teve sua primeira exibição no Festival de Berlim de 2007 e, pouco depois, saiu de Gramado vencedor de seis prêmios: direção, fotografia, direção de arte, música, prêmio do júri popular e filme da crítica. E, como acontece cada vez mais com produções nacionais, teve que amargar mais de um ano engavetado antes de finalmente chegar ao circuito.

A trama é centrada em Jessica, uma adolescente que, cansada de ser abusada pelo padrasto sob a conivência da mãe, deixa a cidadezinha nordestina de Deserto Feliz e foge para Recife. Mas a vida na cidade grande também cobra seu preço e Jessica se estabelece na prostituição. Dividindo um conjugado com duas outras garotas, o pensamento reinante entre elas é o de que o melhor atalho para sair daquela vida é caindo nas graças de um “gringo”. Até que um dia o sonho personifica-se na figura de Mark, um turista alemão.

O grande diferencial do filme em relação a outros similares é sua opção pela poesia e delicadeza. Como tantas outras meninas, Jessica virou mulher antes de terminar de ser criança. O sexo foi sua primeira moeda de troca. Primeiro, forçada pelo padrasto; depois, como o meio de sobrevivência natural de quem perdeu a inocência da forma mais violenta possível. Mas, ao contrário do que se poderia esperar de um filme que lida com tal temática, Deserto Feliz deixa que a denúncia social se faça pelo contexto e não pelo que é exibido na tela. É um filme que evita a brutalidade explícita e mostra a violência de forma mais subtendida, quase metafórica. E nem por isso deixa de ser contundente.

O filme apresenta um ritmo deliberadamente lento e, embora esteja evidente que isso ocorra como uma intenção do diretor, em certos momentos esta opção narrativa torna a história pouco dinâmica. Algumas tomadas são tão contemplativas que acabam “tirando” o espectador da trama ao invés de conectá-lo. É claro que trata-se de um trabalho muito mais calcado em imagens do que em palavras (a protagonista, por exemplo, fala muito pouco), mas não era preciso exagerar na extensão de algumas cenas.

Felizmente, o elenco excepcional e lindamente dirigido faz com que o interesse seja mantido. A estreante Nash Laila (a cara da Natalie Portman), que antes desse filme só havia participado de duas peças de teatro, revelou-se um grande achado e leva toda a carga dramática do filme nas costas a despeito da juventude e pouca experiência. Também têm presença marcante o alemão Peter Ketnath (o mesmo de Cinema, Aspirinas e Urubus) e os expoentes atuais do cinema nacional João Miguel e Hermila Guedes, sem contar a luxuosa participação de Zezé Motta como a ex-prostituta que agora vive de alugar conjugados. Destaque para a cena em que sua personagem explica a Jessica como chegou a sua atual vida mansa.

O desfecho deixa no ar a dúvida sobre certos acontecimentos. Teriam de fato ocorrido ou representavam uma projeção desesperada da menina-mulher, uma versão de contos de fada adaptada para sua triste realidade? A conclusão fica a cargo do espectador, embora ambos os caminhos levem ao mesmo desenlace.

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