sexta-feira, 20 de junho de 2008

A Outra


A Outra, título pouco criativo em português para The Other Boleyn Girl, é a versão para o cinema do festejado romance A Irmã de Ana Bolena, de Philippa Gregory. Coube ao festejado Peter Morgan – indicado ao Oscar 2007 pelo roteiro de A Rainha – a tarefa de adaptar para a telona essa história que gira em torno da disputa das irmãs Mary e Anne Boleyn pelos favores do rei Henrique VIII. A trama é ambientada na Inglaterra do século XVI, quando o soberano entrou crise no casamento com a rainha Catarina de Aragão por conta da impossibilidade dela em dar-lhe um herdeiro varão. Aproveitando esse vácuo, a ambiciosa Anne recebe do tio e pai interesseiros a missão de se aproximar de sua majestade e tornar-se sua amante. Tal posição traria riqueza e benefícios incalculáveis para toda a família. Mas, para seu grande desapontamento, o rei se encanta com a simplicidade de sua irmã mais nova, a recém-casada Mary. O que não foi empecilho nenhum, já que o próprio marido da jovem estava disposto a cedê-la ao monarca em troca de um cargo na corte. Só que Anne – conhecida entre nós pelo nome Ana Bolena – não estava disposta a abrir mão de seus delírios de grandeza e ousou tecer seus próprios planos, afrontando a família e toda a sociedade inglesa.

Apesar de se vender como um romance histórico, A Outra é muito mais um filme sobre os malefícios da ambição desmedida do que sobre amor. Enquanto a boazinha e obediente Mary se apaixona de fato pelo rei mulherengo, Anne visa apenas sua coroa. Enquanto Mary se anula e se dobra aos desmandos da família carreirista, Anne persegue apenas seu próprio benefício. A princípio, parece que a ardilosa e calculista Anne triunfará, já que consegue ter imenso domínio sobre o soberano vaidoso e influenciável. E cabe esclarecer que nada daquilo seria possível se Henrique VIII fosse um homem de caráter firme, que não se deixasse corromper por uma estratégia tão frágil quanto a negativa de uma mulher em se entregar a ele. Mas, como toda pessoa que se deixa embriagar pelo poder, Anne não sabe a hora de parar e cava sua própria sepultura.

Embora a existência de Mary seja comprovada, existem poucos registros históricos de seu papel real nesse episódio. De resto, o pano de fundo político e social é bastante fiel ao que se conhece sobre o período. Já o trágico fim de Anne está escrito em qualquer livro de História: depois de conseguir fazer Henrique VIII se afastar tanto de sua irmã como da esposa legítima, ela consegue ser coroada rainha. Mas o custo é alto: a separação não autorizada pelo Vaticano provoca o rompimento da Inglaterra com a igreja católica e culmina na fundação da religião protestante. Depois de tantos sacrifícios, Henrique exige o tão prometido filho varão. Mas Anne só consegue dar à luz a uma menina – a futura Elizabeth I. O rei, é claro, volta sua frustração contra a causadora de tudo aquilo. Tentando desesperadamente preservar sua posição, ela ultrapassa todos os limites e comete um ato desatinado que, ironicamente, acaba sendo um prato cheio para condená-la (a versão do filme dá uma aliviada na questão, mas o que aconteceu na realidade nunca saberemos).

A fotografia deslumbrante e os figurinos riquíssimos ajudam a compor a atmosfera de uma corte fútil e movida a intrigas e maquinações. Mas o fator que realmente mantém o espectador ligadíssimo ao filme é a ótima composição de Natalie Portman como Anne. A personagem é de um mau-caratismo extremo e, ainda assim, Natalie a faz tão humana e cheia de nuances que fica difícil não simpatizar com ela. Ambiciosa? Sim. Repulsiva? Jamais. Mesmo equivocada em suas intenções, sua coragem em desafiar todas as regras e escrever a própria história é apaixonante. Sua personalidade é muito mais atraente do que a sempre passiva Mary, que, mesmo quando tem a chance única de se vingar das afrontas da irmã... não o faz.

Também Scarlett Johansson consegue ter bons momentos em cena e até evita certas armadilhas impostas por sua personagem excessivamente boazinha, a despeito do filme ser quase todo de Natalie Portman. Eric Bana tem boa presença física e impõe o respeito necessário a um personagem como Henrique VIII, embora ainda não vá ser dessa vez que o ator australiano conseguirá se destacar em termos de interpretação. Jim Sturgess tem oportunidade de mostrar o talento só perto do desfecho. E, por fim, uma boa surpresa é ver que a maturidade fez muito bem para Kristin Scott Thomas, numa atuação contida e eficiente como a mãe das meninas Bolenas.

Muitos traços da personalidade guerreira de Anne Boleyn são os mesmos que futuramente seriam exaltados como virtudes em sua filha Elizabeth I. Podemos até traçar um paralelo interessante entre essas duas figuras históricas: seria Elizabeth uma versão mais equilibrada da mãe, alguém que soube canalizar sua força de modo positivo e evitar sua sociopatia? Com um material técnico interessante e um elenco carismático, coube ao diretor estreante Justin Chadwick apenas a tarefa de não estragar o filme. É um novelão? Pode até ser... Mas é um novelão danado de bom!

Um comentário:

  1. Ainda não vi A Outra, mas Agente 86 veio para salvar um gênero que há muito já não é mais o mesmo. Diversão garantida e boas referências.

    Abraço!

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