sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Dois Irmãos


Filme novo de Daniel Burman é sempre boa notícia. Depois da trilogia da perda – Esperando o Messias, O Abraço Partido e As Leis de Família – o cineasta argentino parece ter voltado seu olhar para a terceira idade, com o belo Ninho Vazio (2008) e agora com esse delicioso quitute agridoce que é Dois Irmãos. Rodado no Uruguai, o filme é inspirado no romance Villa Laura, de Sergio Dubcovsky, e enfoca uma relação cheia de implicância e interdependência entre dois irmãos na faixa dos sessenta anos: a egoísta Susana, que sempre fez tudo que bem quis, e Marcos, que sempre evitou bater de frente com ela e assumiu sozinho todos os ônus, como, por exemplo, os cuidados com a mãe idosa. Com a morte da mãe, Marcos é obrigado por Susana a se mudar para uma pequena vila no Uruguai, já que a irmã vende o apartamento onde ele vivia até então. Só que, mesmo privado de sua vida antiga, Marcos é um otimista e logo se integra à comunidade local e ingressa em um grupo de teatro, deixando a irmã furiosa.

Um olhar malicioso e cheio de ironia sobre as relações familiares, valorizado pelo ótimo roteiro e pelo sensacional desempenho dos atores Graciela Borges e Antonio Gasalla, intérpretes de Susana e Marcos. Susana, em especial, é tão humanamente mesquinha que chega a incomodar. As pequenas implicâncias, o sentimento de desprezo por tudo que o irmão faz e, sobretudo, as tentativas desesperadas de frear qualquer conquista individual que o liberte do domínio dela, enquanto, por contraste, o doce e passivo Marcos não só permite como também releva os destemperos da irmã, deixando claro que num relacionamento abusivo sempre há dois culpados. Tudo isso embalado por um humor muito sutil e personagens muito verdadeiros, tornando todo o filme extremamente prazeroso de ser assistido. Direção precisa, roteiro bem-acabado, enfim, mais um produto com a marca da qualidade e competência de Daniel Burman. Destaque para o momento em que Marcos, pela primeira vez, tem que improvisar e dizer suas próprias palavras. Libertador.

Dois Irmãos (Dos Hermanos), de Daniel Burman. ARG / URU / FRA, 2010. 105 minutos. Mostra Foco Argentina

Nota: 9,0

Um comentário:

  1. Maravilhoso. Burman como sempre mandando muito bem. É sempre interessante voltar o olhar para um cinema tantas vezes focado em histórias sobre pessoas comuns, tramas centradas em círculos familiares – muitas vezes peculiares a todo espectador. A composição desse olhar, dessa ideia, pelo menos no cinema de Daniel Burman, se faz com humor, que vai se construindo por meio das situações criadas, e não o contrário. Não há uma fé explicitamente cega na construção de personagens como é visto no cinema de um Campanella (mais precisamente em Conspiração Sedutora e Clube da Lua) – seu conterrâneo. Burman tem uma visão de cinema mais conflituosa, o que torna seus filmes tão ou mais interessantes que os de diversos cineastas argentinos (e aí podemos incluir Pablo Trapero e o próprio Campanella). Dois Irmãos só vem confirmar essa escrita e enriquecer ainda mais a carreira de Burman.

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