sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Sentimento de Culpa


A diretora e roteirista Nicole Holofcener tem uma visão bastante sarcástica dos relacionamentos pessoais e das contradições básicas do ser humano. Egressa da televisão, tendo dirigido alguns capítulos do seriado Sex and the City, o primeiro longa de Nicole a dar as caras por aqui, há três anos, foi Amigas com Dinheiro, uma peculiar história sobre três mulheres casadas e aparentemente bem-sucedidas que mal disfarçavam a inveja da amiga solteira afundada em dívidas.

Em Sentimento de Culpa, como o título em português já escancara, a cineasta volta suas lentes para a culpa. Kate e Alex tem uma loja de móveis antigos e abastecem seu estoque graças a pessoas que perderam seus familiares e querem se desfazer de seus pertences, na maioria das vezes sem terem a mínima noção de que aquelas “velharias” são artigos raros. Para aplacar seu incômodo em estar lucrando com a desgraça alheia, Kate não consegue negar esmola a nenhum desabrigado e inscreve-se em trabalhos voluntários, mas não quer comprar um jeans caro para a filha adolescente e cheia de problemas de auto-estima. Kate e Alex também se sentem mal por terem comprado o apartamento vizinho, onde mora a nonagenária Andra, e agora estarem ansiosos para que ela morra e eles possam finalmente dar início à tão sonhada reforma.

Lidando com personagens essencialmente bons, mas cheios de ambiguidades morais, o roteiro constrói um mosaico bem sincero e divertido da culpa burguesa de uma classe média que anseia desesperadamente dar vazão aos seus instintos consumistas e, ao mesmo tempo, tentar conviver com a própria consciência. E o impulso de contribuição social é gerado pelo já citado sentimento de culpa e não por um desejo genuíno de ajudar ao próximo – Kate, aliás, lembra a personagem de Goldie Hawn em Todos Dizem Eu Te Amo. Mas não é apenas a culpa que está na berlinda, também tem vez no longa outras atitudes dúbias e essencialmente humanas, como, por exemplo, a garota bonita e descolada que não consegue aceitar o fato de ter sido trocada por alguém que ela considera de aparência pior do que a sua e passa a perseguir a rival.


Catherine Keener, que já havia trabalhado com Nicole Holofcener com Amigas com Dinheiro, está cada vez mais madura como atriz e dá muitas nuances a Kate, personagem que poderia facilmente cair na caricatura, se interpretado de modo menos habilidoso. Também chamam a atenção Amanda Peet e Rebecca Hall como as netas de Andra, irmãs de personalidades totalmente opostas. Enquanto a Mary de Amanda não suporta a avó, mas é incrivelmente parecida com ela em suas rabugices e obsessões recorrentes, a doce Rebecca vive para ser legal com os outros. E não podemos deixar de destacar as igualmente ótimas Sarah Steele, que interpreta a adolescente Abby, e Ann Guilbert, a nonagenária rabugenta.

O único problema de Sentimento de Culpa é que o filme é demasiado linear em sua abordagem. Ainda que tenha méritos indiscutíveis, como o de colocar em pauta questões importantes com leveza e bom humor, e seja muito bem amparado pelo ótimo elenco, ainda assim, ao final da projeção, o espectador pode ficar com a sensação de que ficou faltando no conjunto aquele “quê” a mais. E ficou mesmo. O filme promete muito, mas o resultado final acaba sendo apenas simpático. De todo modo, vale uma conferida.

Estreou hoje.

Um comentário:

  1. Erika, eu gostei muito de "Sentimento de Culpa", a melhor dramédia do ano junto com "Cyrus". Você aponta com perfeição a proposta do longa, cuja abordagem está inteiramente ligada ao título que recebeu em nosso país. Entretanto, acredito que "Sentimento de Culpa" também toca bastante nos temores que os personagens têm de envelhecerem. No fim das contas, creio que todos temem terminarem suas existências como Andra.

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