quarta-feira, 16 de julho de 2008

Cine-Teatro Limite


Imaginem a exuberância visual e musical de Moulin Rouge misturada com a piração metalinguística dos roteiros de Charlie Kaufman, com algumas pinceladas dos dilemas existenciais dos personagens de Woody Allen. Imaginaram? Agora embalem esse caldeirão de influências num texto dinâmico, inteligente e extremamente bem-humorado. E entreguem o produto final a oito atores de primeiríssima linha. Habemus um dos espetáculos mais surpreendentes (no bom sentido) do ano.

Cine-Teatro Limite é ambientado no Rio de Janeiro dos anos quarenta. Conflitos presentes no cotidiano dos cidadãos, como o temor de lutar na guerra, a crise econômica que tirava a carne da mesa e o dualismo entre a popularidade de Getúlio Vargas e a truculência de sua polícia especial convivem lado a lado com o glamour dos shows do Cassino da Urca e as divas hollywoodianas que invadem as telas de cinema. É nessa atmosfera que somos apresentados ao protagonista Sábato, um jovem desempregado e inconformado que sonha se tornar um comediógrafo de sucesso e, assim, escapar da pressão do pai para que se acomode num empreguinho qualquer. E ele já tem um plano traçado: venderá o roteiro de sua comédia musical Deu o Breque em Berlim ao famoso comediante Totorito e finalmente sairá da casa dos pais para viver sua vida do jeito que bem entender. Durante o processo de criação, Sábato começa a basear seus personagens nas pessoas com as quais convive e o limite entre realidade e ficção vai se tornando cada vez mais difuso.

A descrição que Sábato faz de seu roteiro como uma "comédia dramática musical romântica e metafísica" bem poderia se aplicar ao espetáculo que assistimos. Porque Cine-Teatro Limite tem de tudo um pouco: a trama provoca risadas, nostalgia e ternura. E também é muito agradável em termos estéticos. Um grande destaque é o modo como o texto dialoga com o espectador, fazendo referências intertextuais externas. Isso fica bem evidente na figura do apresentador, responsável por essa conexão entre a platéia e os personagens. Também é muito bem-feita a apresentação dos desdobramentos entre as pessoas "reais" da história e os personagens do roteiro de Sábato. A direção precisa e o preparo corporal e vocal dos atores faz com que essa diferenciação seja sempre muito clara, resultado que nem sempre é fácil de obter no teatro considerando as limitações de um espetáculo ao vivo. Aliás, o elenco composto por Erica Migon, Isaac Bernat, Rodrigo Pandolfo, Celso André, Alex Pinheiro, Gustavo Wabner, Keli Freitas e Álvaro Diniz consegue o feito de ser tão afinado a ponto de não conseguirmos eleger um único ator como destaque. Todos, sem exceção, conjugam um excelente timing para comédia com uma intensidade dramática que faz com transitem do escracho para o sentimental com grande naturalidade. Trabalho de grupo mesmo, coisa que anda faltando na arte em geral.

O autor Pedro Brício, que se firma cada vez mais como expoente da nova dramaturgia carioca, está aí para contrariar essa idéia meio institucionalizada de que há escassez de novos autores para teatro. Pedro, que já foi agraciado com um Prêmio Shell há dois anos (por A Incrível Confeitaria do Senhor Pellica), usa as influências de sua formação cinematográfica para criar um texto original e de apelo universal e ainda divide a direção do espetáculo com Sergio Módena. A dramaturgia passeia entre os mais diversos gêneros mas, ao mesmo tempo, não deixa de manter uma unidade harmoniosa.

Cine-Teatro Limite está em cartaz no Teatro Glória (quinta a sábado às 20h e domingo às 19h) e a temporada vai até 31 de agosto. Não deixem de conferir!

2 comentários:

  1. ótimo blog,parabéns pela crítica

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  2. Nossa...sou ator do espetáculo e gostaria honradamente de agradecê-la pela linda resenha!!
    Tão bom saber q algumas pessoas recebem exatamente oq estamos oferecendo em cena.
    Pena q nem todas!
    haha
    Mto obrigado!
    Rodrigo.

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